sábado, 28 de setembro de 2013

Iluminação O Espírito Santo dá Entendimento Espiritual "O homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente."1 Coríntios 2.14

O conhecimento das coisas divinas, para o qual os cristãos são atraídos, é mais do que uma intimidade formal com as palavras bíblicas e as idéias cristãs. É uma conscientização da realidade e relevância das atividades do Deus triúno, as quais a Escritura testifica. Tal conscientização não é normal nas pessoas, por mais familiaridade que tenham com as idéias cristãs (como o homem sem o Espírito em 1 Co 2.14, que não aceita o que os cristãos lhe dizem, ou os cegos guias de cegos, de quem Jesus falou tão causticamente em Mt 15.14, ou Paulo antes do seu encontro com Jesus na estrada de Damasco). Somente o Espírito Santo, perscrutador das profundezas de Deus (1 Co 2.10), pode efetuar essa conscientização em nossas mentes e corações obscurecidos pelo pecado. É por isso qie é chamada “entendimento espiritual” (espiritual significa “dado pelo Espírito”, Cl 1.9; cf. Lc 24.25; 1 Jo 5.20) . Aqueles que, ao lado de uma sólida instrução verbal, possuem “unção que vem do Santo...(têm) conhecimento da verdade” 1Jo 2.20.
A obra do Espírito de conceder esse conhecimento é chamada “iluminação”. Não é uma nova revelação que esteja sendo dada, mas uma obra dentro de nós que nos capacita a compreender e amar a revelação que está ali diante de nós no texto bíblico ouvido ou lido., e explanado por professores e escritores. O pecado em nosso sistema mental e moral anuvia nossas mentes e vontades, de modo que não compreendemos a força da Escritura e resistimos a ela. Deus parece-nos remoto, ao extremo da irrealidade, e diante da sua verdade somos embotados a apáticos. O Espírito, contudo, abre e desanuvia nossas mentes, sintonizando nossos corações para que compreendamos (Ef 1.17,18; 3.18,19; 2 Co 3.14-16; 4.6). Como pela iluminação é, pois, a aplicação da verdade revelada de Deus aos nossos corações, a fim de que apreendamos como realidade para nós o que o texto sagrado anuncia.
A iluminação, que é um ministério permanente do Espírito Santo aos cristãos, inicia antes da conversão com uma crescente compreensão da verdade acerca de Jesus Cristo e uma crescente sensação de estar sendo avaliado e exposto por ela. Jesus disse que o Espírito “convenceria o mundo” do pecado de não crer nele, do fato de Ele estar à direita de Deus Pai (como seu bom acolhimento na volta ao céu o provou), e da realidade do julgamento tanto aqui como na vida futura (Jô 16.8-11). Este convencimento triplo é ainda o meio de Deus fazer que o pecado seja repulsivo e Cristo adorável aos olhos das pessoas que antes amavam o pecado e não tinham nenhum interesse pelo divino Salvador.
A forma de ser plenamente beneficiado pelo ministério da iluminação do Espírito é o estudo sério da Bíblia, a oração séria e a séria correspondência obediente a todas e quaisquer verdades que já tenham sido expostas. Isto corresponde à máxima de Lutero sobre as três coisas que fazem um teólogo: oratio (oração), meditatio (pensar na presença de Deus sobre o texto), e tentatio (provação, a luta pela fidelidade bíblica diante da pressão para desatender o que a Escritura diz).
Autor: J. I. Packer

O testemunho Interior do Espírito Santo Jo 15.13; At 5.32; At 15.28; Rm 8.16; Gl 5.16-18 "E nós somos testemunhas destas coisas, e bem assim o Espírito Santo, que Deus deu àqueles que lhe obedecem." At 5.32

Em qualquer tribunal de júri que inclua testemunhas, o depoimento delas é crucial para o caso. O testemunho é importante porque destina-se a ajudar-nos a chegarmos à verdade sobre o caso. Em alguns julgamentos, o depoimento de algumas testemunhas é questionado em razão de o caráter delas ser suspeito.  O testemunho de um psicopata mentiroso tem pouquíssimo valor. Para que o testemunho tenha credibilidade, a testemunha precisa ser confiável.
Quando Deus testifica sobre a verdade de alguma coisa, seu testemunho é certo e totalmente inquestionável. O testemunho que tem Deus como autor não pode falhar. Ele é de fato um testemunho infalível. Procede do caráter mais elevado possível, da fonte mais profunda de conhecimento e da mais suprema autoridade. A confiabilidade do testemunho de Deus fez Lutero certa vez declarar: "O Espírito Santo não é cético." As verdades que p Espírito Santo revela são maus certas do que a própria vida.
João Calvino ensinava que apesar de as Escrituras  manifestarem sinais claros e inquestionáveis da sua autoridade divina e exibir evidências satisfatórias de sua origem divina, essas evidências não nos persuadem plenamente até que,  ou a menos que, sejam seladas em nosso coração por meio do testemunho interior do Espírito Santo. Calvino reconhecia a diferença entre prova e persuasão. Mesmo que sejamos capazes de oferecer provas objetivas e conclusivas sobre a verdade das Escrituras, isso não é garantia de que as pessoas irão crer nelas, aceitá-las ou abraçá-las. Para que sejamos persuadidos quanto à verdade das Escrituras, precisamos de ajuda do testemunho interior do Espírito. Ele nos leva a concordar com as evidências irrefutáveis da verdade da Bíblia ou aceitá-las.
E seu testemunho interior, o Espírito Santo não oferece nenhuma informação nova e secreta, nem nenhum argumento mais engenhosos ao qual não podemos ter acesso por outros meios. Pelo contrário, ele opera em nosso espírito para quebrar e vencer nossa resistência à verdade de Deus. Ele nos move a redermos-nos ao ensino claro da Palavra de Deus e a abraçá-la cheios de confiança.
O testemunho interior do Espírito não é uma figura para misticismo nem um escape para o subjetivismo, onde os sentimentos pessoais são elevados à condição de autoridade absoluta. Existe uma diferença crucial entre o testemunho do Espírito Santo ao nosso espírito e o testemunho humano do nosso próprio espírito. O testemunho do Espírito Santo é a Palavra de Deus. Chega a nós com a Palavra e através da Palavra. Não é um testemunho separado ou desprovido da Palavra.
Assim como o Espírito Santo testifica ao nosso espírito de que somos filhos de Deus, confirma sua Palavra a nós (Rm 8.16), assim ele também nos assegura intimamente que a Bíblia é a Palavra de Deus.
Sumário
1. O testemunho de Deus é totalmente confiável.
2. A Bíblia oferece evidências objetivas de que é a Palavra de Deus.
3. Não somos totalmente persuadidos quanto à verdade das Escrituras sem o testemunho do Espírito Santo.
4. O testemunho interior do Espírito não oferece argumento novo à mente, mas opera em nosso coração e em nosso espírito nos levando a aceitarmos as evidências que já estão lá.
5.  A doutrina do testemunho interno do Espírito Santo não é uma licença para acreditarmos que tudo o sentimos ser verdadeiro é de fato verdadeiro.
Autor:  R. C. Sproul

A Personalidade do Espírito Santo Jo 16.13; 2 Co 13.13; 1 Tm 4.1; Tg 4.5; 1 Jo 5.6 "Todavia digo-vos a verdade, que vos convém que eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, quando eu for, vo-lo enviarei. E, quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo." (Jo 16.7,8)

Na noite em que minha esposa se converteu a Cristo, ela exclamou: "Agora eu  sei quem é o Espírito Santo". Antes daquele momento, ela pensava no Espírito como uma "coisa" e não como um ser pessoal.
Quando falamos da personalidade do Espírito Santo, queremos dizer que o Terceiro Membro da Trindade é uma pessoa e não  uma força. Isso é muito claro nas Escrituras, onde só pronomes pessoais são usados em referência ao Espírito. Em João 16.13, Jesus disse: "Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir.".
Visto que o Espírito Santo é uma pessoal real e distinta, e não uma força impessoal, podemos experimentar uma relacionamento pessoal com ele. Paulo  abençoa a igreja de Corinto de uma maneira que enfatiza isso: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós." (2 Co 13.13 - ou em algumas versos 2 Co 13.14). Ter comunhão com alguém é entrar em  relação pessoal com ele. Além disso, somos intimados a não pecar contra, resistir ou entristecer o Espírito Santo. Forças impessoais não podem ser "entristecidas". Tristeza só pode ser experimentada por um ser pessoal.
O Espírito Santo é uma pessoa, e por isso é correto orar a ele. Seu papel na oração é nos assistir, para nos expressarmos adequadamente ao Pai. Assim como Jesus intercede por nós como Sumo Sacerdote, também o Espírito Santo intercede por nós em oração.
Finalmente, a Bíblia fala do Espírito Santo desempenhado tarefas que só pessoas podem desempenhar. O Espírito conforta, guia e ensina os eleitos (ver Jo 16). Essas atividades são feitas de uma maneira que envolve inteligência, vontade, sentimentos e poder. Ele sonda, escolhe, revela, conforta, convence e admoesta.Somente uma pessoa poderia fazer tais coisas. A resposta do cristão, portanto, não é mera afirmação de que tal ser existe, mas antes, obedecer, amar e adorar o Espírito Santo, a Terceira Pessoa da Trindade.
Sumário
1. O Espírito Santo é uma pessoa, não uma força impessoal.
2. A Bíblia usa pronomes pessoas ao referir ao Espírito Santo.
3. A obra do Espírito Santo tanto requer como exibe personalidade.
4. O cristão experimenta um relacionamento pessoal com o Espírito Santo.
5. o Espírito Santo deve ser cultuado e obedecido.

A Dinvidade do Espírito Santo Gn 1.12; At 5.3,4; Rm 8.9-17; 1 Co 6.19,20; Éf 2.19-22 Na liturgia da Igreja, freqüentemente ouvimos as palavras: "Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, amém". Esta expressão é uma fórmula trinitariana que atribui divindade a todas as três pessoas da Trindade.

Semelhante, cantamos:
Glória seja dada ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo. Como era no principio, é hoje e para todos sempre, eternamente. Amém, Amém.
Este cântico atribui glória eterna às três pessoas da Trindade. O Espírito Santo recebe glória junto com o Pai e o Filho.
Enquanto a divindade de Cristo foi debatida durante séculos e o debate continua ainda hoje, a divindade do Espírito Santo geralmente é aceita na Igreja. A razão pela qual a divindade do Espírito Santo nunca tenha sido alvo da controvérsia, talvez seja porque nunca assumiu a forma humana.
A Bíblia claramente representa o Espírito Santo como possuindo atributos divinos e exercendo autoridade divina. Desde o século IV, praticamente todos os que concordam que ele é uma pessoa também concordam que o Espírito é divino.
No Antigo Testamento, o que se diz de Deus  freqüentemente também se  diz do Espírito de Deus. As expressões "Deus disse" e o "Espírito disse" são repetidamente intercambiadas. Estes padrão continua no Novo Testamento; talvez em nenhum outro texto isso fique tão claro como em Atos 5.3,4, onde Pedro diz: "Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao  Espírito Santo, reservando parte do valor do campo?... Não mentiste aos  homens, mas a Deus". Resumindo, mentir ao Espírito Santo é o mesmo que ao próprio Deus.
As Escrituras também se referem aos atributos divinos do Espírito Santo. Paulo escreve sobre a onisciência do Espírito em 1 Coríntios 2.10,11: "Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus”. O salmista atesta sobre a onipresença do Espírito no Salmo 139.7,8: "Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também;" . O Espírito também operou na criação, movendo-se sobre a face das águas (Gn 1.1,2).
Como uma declaração conclusiva sobre a divindade do Espírito Santo, temos a bênção de Paulo no final da sua segunda carta aos Coríntios: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós." (2 Co 13.13).
Sumário
1. A liturgia da igreja atribui divindade ao Espírito Santo.
2. O Antigo Testamento reconhece atributos e autoridades divinos do Espírito Santo.
3. O Novo Testamento reconhece atributos divinos do Espírito Santo.
Autor:  R. C. Sproul

O Espírito Santo (Paráclito) O Espírito Santo Ministra aos crentes

Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar." Jo 16.13,14
Antes da paixão de Jesus. Ele prometeu que o Pai e Ele enviariam a seus discípulos "outro Consolador" (Jo 14.16,26; 15.26; 16.7). O Consolador ou Paráclito (ou Paracleto, da palavra grega parakletos, que significa o que dá auxilio), é um ajudador, conselheiro. fortalecedor, estimulador, aliado e advogado. Outro única que Jesus foi o primeiro Paráclito e está prometendo um substituto, que, após sua partida, continuará o ensino e o testemunho que Ele havia iniciado (Jo 16.6,7).
O ministério do Paráclito, por sua própria natureza, é um ministério pessoal e relacional, implicando a plena pessoalidade de quem o consuma. Embora o Velho Testamento tenha dito muito acerca da atividade do Espírito na Criação (por exemplo, Gn 1.2; Sl 33.6), na revelação (p. ex., Is 61.1-6; Mq 3.8), na capacitação para o serviço (p. ex., Êx 31.2-6; Jz 6.34; 15.14,15; Is 11.2), e na renovação interior (p. ex., Sl 51.10-12; Ez 36.25-27), ele não torna claro que o Espírito é uma Pessoa divina distinta. No Novo Testamento, contudo, fica claro que o Espírito é verdadeiramente uma Pessoa distinta do Pai, assim como é o Filho. isto é evidente não somente pela promessa de "outro Consolador", mas também pelo fato de que o Espírito, entre outras coisas, fala (At 1.16; 8.29; 10.19; 11.12; 13.2; 28.25), ensina (Jo 14.26), testemunha (Jo 15.26), busca (1 Co 2.10,11), determina ( 1 Co 12.11), intercede (Rm 8.26,27), é alvo de mentira (At 5.3), e pode ser afligido (Ef 4.30). Somente de um ser pessoal podem ser ditas tais coisas.
A divindade do Espírito surge da declaração de que mentir ao Espírito é mentir a Deus (At 5.3,4), e da associação do Espírito com o Paia e o Filho nas bênçãos ( 2 Co 13.14; Ap 1.4-6) e  na fórmula do batismo (Mt 28.19). O Espírito é chamado "os sete espíritos" em Apocalipse 1.4; 3.1; 4.5; 5.6, em parte, parece, porque sete é um número que significa a perfeição divina e, em parte, porque o Espírito ministra em sua plenitude.
Portanto, o Espírito é "Ele", não "ele", e deve ser obedecido, amado e adorado, juntamente com o Pai e o Filho.
Testemunhar a Jesus Cristo, glorificá-lo, mostrando a seus discípulos quem e o que Ele é (Jo 16.7-15), e fazê-los cônscios do que são nele (Rm 8.15-17; Gl 4.6) é o ministério central do Paráclito. O Espírito nos ilumina (Ef 1.17,18), regenera (Jo 3.5-8), guia-nos à santidade (Rm 8.14; Gl 5.16-18), transforma-nos (2 Co 3.18; Gl 5.22,23), dá-nos certeza ( (Rm 8.16), e dons para ministério ( 1 Co 12.4-11). Todo trabalho de Deus em  nós, tocando nosso corações, nosso caráter e nossa conduta,  é feito pelo Espírito, embora aspectos desse trabalho sejam, às vezes, atribuídos ao Pai e ao Filho, de quem o espírito é executivo.
O pleno ministério do Espírito começa na manhã do Pentecostes, logo depois da ascensão de Jesus (At 2.1-40, João Batista predisse que Jesus batizaria com Espírito Santo ( Mc 1.8; Jo 1.33), de acordo com a promessa do Velho Testamento de um derramamento do Espírito de Deus nos últimos dias (Jl 2.28-32; cf. jr 31.31-34), e Jesus havia repetido a promessa (At  1.4,5). A significação da manhã do Pentecostes foi duplo: ela  marcou o início da era final da história do mundo antes do retorno de Cristo, e, comparada com a era do Velho Testamento, marcou uma formidável intensificação do ministério do Espírito e da experiência de viver para Deus.
Os discípulos de Jesus foram evidentemente crentes nascidos  do Espírito antes do Pentecostes, de sorte que seu batismo no Espírito, que trouxe poder à sua vida e ministério (At 1.8),  não foi o começo de sua experiência espiritual. Para todos, porém, que chegaram à fé desde a manhã do Pentecostes, começando com os convertidos naquele evento, o recebimento do Espírito na plena bênção da nova aliança tem sido um aspecto de sua conversão  e novo nascimento (At 2.37; Rm 8.9. 1 Co 12.13). Todas as aptidões para o serviço que surgem subseqüentemente na vida de um cristão devem ser vistas como a seiva emanada desse batismo espiritual inicial, que une vitalmente o pecador ao Cristo ressurreto.

Os Desigrejados

Os Desigrejados

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Por Rev. Augustus Nicodemus Lopes


(reprint do post de 2010 - ainda bastante atual)

Para mim resta pouca dúvida de que a igreja institucional e organizada está hoje no centro de acirradas discussões em praticamente todos os quartéis da cristandade, e mesmo fora dela. O surgimento de milhares de denominações evangélicas, o poderio apostólico de igrejas neopentecostais, a institucionalização e secularização das denominações históricas, a profissionalização do ministério pastoral, a busca de diplomas teológicos reconhecidos pelo estado, a variedade infindável de métodos de crescimento de igrejas, de sucesso pastoral, os escândalos ocorridos nas igrejas, a falta de crescimento das igrejas tradicionais, o fracasso das igrejas emergentes – tudo isto tem levado muitos a se desencantarem com a igreja institucional e organizada. Alguns simplesmente abandonaram a igreja e a fé. Mas, outros, querem abandonar apenas a igreja e manter a fé. Querem ser cristãos, mas sem a igreja. 

Muitos destes estão apenas decepcionados com a igreja institucional e tentam continuar a ser cristãos sem pertencer ou frequentar nenhuma. Todavia, existem aqueles que, além de não mais frequentarem a igreja, tomaram esta bandeira e passaram a defender abertamente o fracasso total da igreja organizada, a necessidade de um cristianismo sem igreja e a necessidade de sairmos da igreja para podermos encontrar Deus. Estas idéias vêm sendo veiculadas através de livros, palestras e da mídia. Viraram um movimento que cresce a cada dia. São os desigrejados.

Muitos livros recentes têm defendido a desigrejação do cristianismo (*). 

Em linhas gerais, os desigrejados defendem os seguintes pontos.

1) Cristo não deixou qualquer forma de igreja organizada e institucional.

2) Já nos primeiros séculos os cristãos se afastaram dos ensinos de Jesus, organizando-se como uma instituição, a Igreja, criando estruturas, inventando ofícios para substituir os carismas, elaborando hierarquias para proteger e defender a própria instituição, e de tal maneira se organizaram que acabaram deixando Deus de fora. Com a influência da filosofia grega na teologia e a oficialização do cristianismo por Constantino, a igreja corrompeu-se completamente.

3) Apesar da Reforma ter se levantado contra esta corrupção, os protestantes e evangélicos acabaram caindo nos mesmíssimos erros, ao criarem denominações organizadas, sistemas interligados de hierarquia e processos de manutenção do sistema, como a disciplina e a exclusão dos dissidentes, e ao elaborarem confissões de fé, catecismos e declarações de fé, que engessaram a mensagem de Jesus e impediram o livre pensamento teológico.

4) A igreja verdadeira não tem templos, cultos regulares aos domingos, tesouraria, hierarquia, ofícios, ofertas, dízimos, clero oficial, confissões de fé, rol de membros, propriedades, escolas, seminários.

5) De acordo com Jesus, onde estiverem dois ou três que crêem nele, ali está a igreja, pois Cristo está com eles, conforme prometeu em Mateus 18. Assim, se dois ou três amigos cristãos se encontrarem no Frans Café numa sexta a noite para falar sobre as lições espirituais do filme O Livro de Eli, por exemplo, ali é a igreja, não sendo necessário absolutamente mais nada do tipo ir à igreja no domingo ou pertencer a uma igreja organizada.

6) A igreja, como organização humana, tem falhado e caído em muitos erros, pecados e escândalos, e prestado um desserviço ao Evangelho. Precisamos sair dela para podermos encontrar a Deus.

Eu concordo com vários dos pontos defendidos pelos desigrejados. Infelizmente, eles estão certos quanto ao fato de que muitos evangélicos confundem a igreja organizada com a igreja de Cristo e têm lutado com unhas e dentes para defender sua denominação e sua igreja, mesmo quando estas não representam genuinamente os valores da Igreja de Cristo. Concordo também que a igreja de Cristo não precisa de templos construídos e nem de todo o aparato necessário para sua manutenção. Ela, na verdade, subsistiu de forma vigorosa nos quatro primeiros séculos se reunindo em casas, cavernas, vales, campos, e até cemitérios. Os templos cristãos só foram erigidos após a oficialização do Cristianismo por Constantino, no séc. IV.

Os desigrejados estão certos ao criticar os sistemas de defesa criados para perpetuar as estruturas e a hierarquia das igrejas organizadas, esquecendo-se das pessoas e dando prioridade à organização. Concordo com eles que não podemos identificar a igreja com cultos organizados, programações sem fim durante a semana, cargos e funções como superintendente de Escola Dominical, organizações internas como uniões de moços, adolescentes, senhoras e homens, e métodos como células, encontros de casais e de jovens, e por ai vai. E também estou de acordo com a constatação de que a igreja institucional tem cometido muitos erros no decorrer de sua longa história.

Dito isto, pergunto se ainda assim está correto abandonarmos a igreja institucional e seguirmos um cristianismo em vôo solo. Pergunto ainda se os desigrejados não estão jogando fora o bebê junto com a água suja da banheira. Ao final, parece que a revolta deles não é somente contra a institucionalização da igreja, mas contra qualquer coisa que imponha limites ou restrições à sua maneira de pensar e de agir. Fico com a impressão que eles querem se livrar da igreja para poderem ser cristãos do jeito que entendem, acreditarem no que quiserem – sendo livres pensadores sem conclusões ou convicções definidas – fazerem o que quiserem, para poderem experimentar de tudo na vida sem receio de penalizações e correções. Esse tipo de atitude anti-instituição, antidisciplina, anti-regras, anti-autoridade, antilimites de todo tipo se encaixa perfeitamente na mentalidade secular e revolucionária de nosso tempo, que entra nas igrejas travestida de cristianismo.

É verdade que Jesus não deixou uma igreja institucionalizada aqui neste mundo. Todavia, ele disse algumas coisas sobre a igreja que levaram seus discípulos a se organizarem em comunidades ainda no período apostólico e muito antes de Constantino.

1) Jesus disse aos discípulos que sua igreja seria edificada sobre a declaração de Pedro, que ele era o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16.15-19). A igreja foi fundada sobre esta pedra, que é a verdade sobre a pessoa de Jesus (cf. 1Pd 2.4-8). O que se desviar desta verdade – a divindade e exclusividade da pessoa de Cristo – não é igreja cristã. Não admira que os apóstolos estivessem prontos a rejeitar os livre-pensadores de sua época, que queriam dar uma outra interpretação à pessoa e obra de Cristo diferente daquela que eles receberam do próprio Cristo. As igrejas foram instruídas pelos apóstolos a rejeitar os livre-pensadores como os gnósticos e judaizantes, e libertinos desobedientes, como os seguidores de Balaão e os nicolaítas (cf. 2Jo 10; Rm 16.17; 1Co 5.11; 2Ts 3.6; 3.14; Tt 3.10; Jd 4; Ap 2.14; 2.6,15). Fica praticamente impossível nos mantermos sobre a rocha, Cristo, e sobre a tradição dos apóstolos registrada nas Escrituras, sem sermos igreja, onde somos ensinados, corrigidos, admoestados, advertidos, confirmados, e onde os que se desviam da verdade apostólica são rejeitados.

2) A declaração de Jesus acima, que a sua igreja se ergue sobre a confissão acerca de sua Pessoa, nos mostra a ligação estreita, orgânica e indissolúvel entre ele e sua igreja. Em outro lugar, ele ilustrou esta relação com a figura da videira e seus galhos (João 15). Esta união foi muito bem compreendida pelos seus discípulos, que a compararam à relação entre a cabeça e o corpo (Ef 1.22-23), a relação marido e mulher (Ef 5.22-33) e entre o edifício e a pedra sobre o qual ele se assenta (1Pd 2.4-8). Os desigrejados querem Cristo, mas não querem sua igreja. Querem o noivo, mas rejeitam sua noiva. Mas, aquilo que Deus ajuntou, não o separe o homem. Não podemos ter um sem o outro.

3) Jesus instituiu também o que chamamos de processo disciplinar, quando ensinou aos seus discípulos de que maneira deveriam proceder no caso de um irmão que caiu em pecado (Mt 18.15-20). Após repetidas advertências em particular, o irmão faltoso, porém endurecido, deveria ser excluído da “igreja” – pois é, Jesus usou o termo – e não deveria mais ser tratado como parte dela (Mt 18.17). Os apóstolos entenderam isto muito bem, pois encontramos em suas cartas dezenas de advertências às igrejas que eles organizaram para que se afastassem e excluíssem os que não quisessem se arrepender dos seus pecados e que não andassem de acordo com a verdade apostólica. Um bom exemplo disto é a exclusão do “irmão” imoral da igreja de Corinto (1Co 5). Não entendo como isto pode ser feito numa fraternidade informal e livre que se reúne para bebericar café nas sextas à noite e discutir assuntos culturais, onde não existe a consciência de pertencemos a um corpo que se guia conforme as regras estabelecidas por Cristo.

4) Jesus determinou que seus seguidores fizessem discípulos em todo o mundo, e que os batizassem e ensinassem a eles tudo o que ele havia mandado (Mt 28.19-20). Os discípulos entenderam isto muito bem. Eles organizaram os convertidos em igrejas, os quais eram batizados e instruídos no ensino apostólico. Eles estabeleceram líderes espirituais sobre estas igrejas, que eram responsáveis por instruir os convertidos, advertir os faltosos e cuidar dos necessitados (At 6.1-6; At 14.23). Definiram claramente o perfil destes líderes e suas funções, que iam desde o governo espiritual das comunidades até a oração pelos enfermos (1Tm 31-13; Tt 1.5-9; Tg 5.14).

5) Não demorou também para que os cristãos apostólicos elaborassem as primeiras declarações ou confissões de fé que encontramos (cf. Rm 10.9; 1Jo 4.15; At 8.36-37; Fp 2.5-11; etc.), que serviam de base para a catequese e instrução dos novos convertidos, e para examinarem e rejeitarem os falsos mestres. Veja, por exemplo, João usando uma destas declarações para repelir livre-pensadores gnósticos das igrejas da Ásia (2Jo 7-10; 1Jo 4.1-3). Ainda no período apostólico já encontramos sinais de que as igrejas haviam se organizado e estruturado, tendo presbíteros, diáconos, mestres e guias, uma ordem de viúvas e ainda presbitérios (1Tm 3.1; 5.17,19; Tt 1.5; Fp 1.1; 1Tm 3.8,12; 1Tm 5.9; 1Tm 4.14). O exemplo mais antigo que temos desta organização é a reunião dos apóstolos e presbíteros em Jerusalém para tratar de um caso de doutrina – a inclusão dos gentios na igreja e as condições para que houvesse comunhão com os judeus convertidos (At 15.1-6). A decisão deste que ficou conhecido como o “concílio de Jerusalém” foi levada para ser obedecida nas demais igrejas (At 16.4), mostrando que havia desde cedo uma rede hierárquica entre as igrejas apostólicas, poucos anos depois de Pentecostes e muitos anos antes de Constantino.

6) Jesus também mandou que seus discípulos se reunissem regularmente para comer o pão e beber o vinho em memória dele (Lc 22.14-20). Os apóstolos seguiram a ordem, e reuniam-se regularmente para celebrar a Ceia (At 2.42; 20.7; 1Co 10.16). Todavia, dada à natureza da Ceia, cedo introduziram normas para a participação nela, como fica evidente no caso da igreja de Corinto (1Co 11.23-34). Não sei direito como os desigrejados celebram a Ceia, mas deve ser difícil fazer isto sem que estejamos na companhia de irmãos que partilham da mesma fé e que crêem a mesma coisa sobre o Senhor.

É curioso que a passagem predileta dos desigrejados – “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20) – foi proferida por Jesus no contexto da igreja organizada. Estes dois ou três que ele menciona são os dois ou três que vão tentar ganhar o irmão faltoso e reconduzi-lo à comunhão da igreja (Mt 18.16). Ou seja, são os dois ou três que estão agindo para preservar a pureza da igreja como corpo, e não dois ou três que se separam dos demais e resolvem fazer sua própria igrejinha informal ou seguir carreira solo como cristãos.

O meu ponto é este: que muito antes do período pós-apostólico, da intrusão da filosofia grega na teologia da Igreja e do decreto de Constantino – os três marcos que segundo os desigrejados são responsáveis pela corrupção da igreja institucional – a igreja de Cristo já estava organizada, com seus ofícios, hierarquia, sistema disciplinar, funcionamento regular, credos e confissões. A ponto de Paulo se referir a ela como “coluna e baluarte da verdade” (1Tm 3.15) e o autor de Hebreus repreender os que deixavam de se congregar com os demais cristãos (Hb 10.25). O livro de Atos faz diversas menções das “igrejas”, referindo-se a elas como corpos definidos e organizados nas cidades (cf. At 15.41; 16.5; veja também Rm 16.4,16; 1Co 7.17; 11.16; 14.33; 16.1; etc. – a relação é muito grande).

No final, fico com a impressão que os desigrejados, na verdade, não são contra a igreja organizada meramente porque desejam uma forma mais pura de Cristianismo, mais próxima da forma original – pois esta forma original já nasceu organizada e estruturada, nos Evangelhos e no restante do Novo Testamento. Acho que eles querem mesmo é liberdade para serem cristãos do jeito deles, acreditar no que quiserem e viver do jeito que acham correto, sem ter que prestar contas a ninguém. Pertencer a uma igreja organizada, especialmente àquelas que historicamente são confessionais e que têm autoridades constituídas, conselhos e concílios, significa submeter nossas idéias e nossa maneira de viver ao crivo do Evangelho, conforme entendido pelo Cristianismo histórico. Para muitos, isto é pedir demais.

Eu não tenho ilusões quanto ao estado atual da igreja. Ela é imperfeita e continuará assim enquanto eu for membro dela. A teologia Reformada não deixa dúvidas quanto ao estado de imperfeição, corrupção, falibilidade e miséria em que a igreja militante se encontra no presente, enquanto aguarda a vinda do Senhor Jesus, ocasião em que se tornará igreja triunfante. Ao mesmo tempo, ensina que não podemos ser cristãos sem ela. Que apesar de tudo, precisamos uns dos outros, precisamos da pregação da Palavra, da disciplina e dos sacramentos, da comunhão de irmãos e dos cultos regulares.

Cristianismo sem igreja é uma outra religião, a religião individualista dos livre-pensadores, eternamente em dúvida, incapazes de levar cativos seus pensamentos à obediência de Cristo.

________________________
Nota:(*) Podemos mencionar entre eles: George Barna, Revolution (Revolução), 2005; William P. Young, The Shack: a novel (A Cabana: uma novela), 2007; Brian Sanders, Life After Church (Vida após a igreja), 2007; Jim Palmer, Divine Nobodies: shedding religion to find God (Joões-ninguém divinos: deixando a religião para encontrar a Deus), 2006; Martin Zener,How to Quit Church without Quitting God (Como deixar a Igreja sem deixar a Deus), 2002; Julia Duin, Quitting Church: why the faithful are fleeing and what to do about it (Deixando a Igreja: por que os fiéis estão saindo e o que fazer a respeito disto), 2008; Frank Viola, Pagan Christianity? Exploring the roots of our church practices (Cristianismo pagão? Explorando as raízes das nossas práticas na Igreja), 2007; Paulo Brabo, Bacia das Almas: Confissões de um ex-dependente de igreja (2009).

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Três Razões pelas quais Cristo Sofreu e Morreu [1] Romanos 6.1-14

Introdução
Encerrando este trimestre que trata de temas da atualidade, após ter abordado questões de nosso cotidiano que nos afligem e aprender como lidar com elas estudando a Palavra de Deus, é importante que tenhamos em mente a "velha história". A história que parecemos saber de cor, mas de que nos esquecemos com freqüência. A história de Jesus morto na cruz em nosso lugar.
Afinal, por que Jesus sofreu e morreu e que relevância tem isso para mim hoje? Fazer essa conexão é fundamental. John Piper escreveu um livro chamado A paixão de Cristo em que ele enumera 50 razões, ou propósitos, pelas quais Cristo sofreu e morreu. Veremos três delas nesta lição. Jesus sofreu e morreu...

I. Para que morramos para o pecado e vivamos para a justiça

“... carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça" 1 Pedro 2.24
Por mais estranho que pareça, a morte de Cristo em nosso lugar e por nós significa que nós morremos. Talvez alguém pense que ter um substituto para morrer em seu lugar significa que ele escapa da morte. É claro que escapamos da morte. Da morte eterna de miséria sem fim e separação de Deus. Jesus disse: "Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão" ao 10.28). "Todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente" ao 11.26). A morte de Jesus realmente significa que todo o que nele crê não perece, mas tem a vida eterna ao 3.16).
Mas existe outro sentido em que morremos precisamente porque Cristo morreu em nosso lugar e por nossos pecados. "Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados..." (lPe 2.24). Ele morreu para que vivamos; e morreu também para que morrêssemos. Quando Cristo morreu, eu, como crente em Cristo, morri com ele. A Bíblia é clara: "fomos unidos com ele na semelhança da sua morte" (Rm 6.5). "Um morreu por todos; logo, todos morreram" (2Co 5.14).
A fé é a evidência de que estamos unidos em Cristo dessa maneira profunda. Os crentes foram "crucificados com Cristo" (GI 2.20). Olhamos para trás, para sua morte, sabendo que na mente de Deus nós estávamos lá. Nossos pecados estavam sobre ele e a morte que merecíamos acontecia nele. O batismo significa essa morte com Cristo. "Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo" (Rm 6.4). A água é como um túmulo. recebê-la é um retrato da morte. Tê-Ia recebido é retrato de nova vida. E tudo isso é um retrato do que Deus está fazendo "pela fé". "Tendo sido sepultados com ele no batismo, fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos" (Cl 2.12).
Sendo assim, ser cristão significa morte para o pecado. O velho eu que amava o pecado morreu com Jesus. O pecado passa a ser como uma prostituta que não é mais bonita. Ela é quem matou o meu Rei e a mim mesmo. Assim, o crente está morto para o pecado, não é mais dominado por seus atrativos. O pecado, a prostituta que matou meu amigo, não tem mais apelo. Tornou-se meu inimigo.
Agora em novidade de vida sou movido pela justiça. "Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós... vivamos para a justiça" (1 Pe 2.24). A beleza de Cristo, que me amou e se entregou por mim, é o desejo de minha alma. E sua beleza é a justiça perfeita. O mandamento que agora amo obedecer é este (e eu o convido a atender comigo este mandamento): "... oferecei-vos a Deus, como ressuscitados dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça" (Rm 6.13).

II. Para que morramos para a lei e frutifiquemos para Deus

"... meus irmãos, também vós morrestes relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que frutifiquemos para Deus." Romanos 7.4
Quando Cristo morreu por nós, nós morremos com ele. Deus olhou para nós que cremos como quem está unido a Cristo. Sua morte por nossos pecados foi nossa morte nele. Mas o pecado não foi a única realidade que matou a Jesus e a nós. A lei de Deus também o fez. Quando quebramos a lei pelo pecado, a lei nos sentencia à morte. Se não houvesse lei, não haveria castigo. Onde não há lei, também não há transgressão (Rm 4.15). Mas "... tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus" (Rm 3.19).
Não havia como escapar da maldição da lei. Ela era justa e nós éramos culpados. Só havia um modo de nos libertar. Alguém tinha de pagar a pena. Foi para isso que veio Jesus. "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar" (Gl 3.13).
Sendo assim, a lei de Deus não pode nos condenar se estivermos em Cristo. Seu domínio sobre nós é duplamente quebrado. Por um lado, as exigências da lei foram cumpridas por Cristo em nosso favor. Ele guardou perfeitamente a lei e isso foi creditado em nossa conta. Por outro lado, a penalidade da lei foi paga pelo sangue de Cristo.
É por isso que a Bíblia ensina claramente que estar bem com Deus não é questão de guardar a lei. "Ninguém será justificado diante dele por obras da lei" (Rm 3.20). "O homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus" (G12.16). Não existe esperança de estar em paz com Deus por guardar a lei. A única esperança está no sangue e na justiça de Cristo, que é nossa somente pela fé. "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei" (Rm 3.28).
Como, então, podemos agradar a Deus, se nos encontramos mortos para sua lei e ela não mais nos domina? A lei não é a expressão da boa e santa vontade de Deus? (Rm 7.12). A resposta bíblica é que, em vez de pertencermos à lei, que exige e condena, agora pertencemos a Cristo, que exige e concede. Anteriormente, a justiça nos era exigida do lado de fora, em letras escritas na pedra. Mas agora a justiça surge de dentro de nós como um desejo no nosso relacionamento com Cristo. Ele está presente e é real. Pelo seu Espírito ele nos auxilia em nossa fraqueza. Uma pessoa viva substituiu uma lista letal. "A letra mata, mas o espírito vivifica" (2Co 3.6).
Por essa razão a Bíblia diz que o novo caminho da obediência é frutificador, e não guardador da lei. "... meus irmãos, também vós morrestes relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que frutifiquemos para Deus" (Rm 7.4).

III. Para nos capacitar a viver para Cristo e não para nós mesmos

"Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam a minha glória." João 17.24
"Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou." 2 Coríntios 5.15
Muitas pessoas se perturbam com a idéia de que Cristo morreu para exaltar a Cristo. Em sua essência, 2 Coríntios 5.15 diz que Cristo morreu para que vivamos por ele. Noutras palavras, ele morreu por nós para que nós o valorizemos muito. Ou seja, Cristo morreu para Cristo.
Ora, isso é verdade. Não é um jogo de palavras. A essência do pecado é que não conseguimos glorificar a Deus. Isso inclui não glorificar ao Filho (Rm 3.23). Mas Cristo morreu para levar sobre si esse pecado e nos livrar do mesmo. Ele carregou a desonra que havíamos amontoado sobre ele com nosso pecado. Ele morreu para dar a virada nisso. Cristo morreu para a glória de Cristo.
Cristo é único. Ninguém mais consegue agir dessa maneira e chamá-la de amor. Cristo é o único ser humano do universo que também é Deus, portanto, de valor infinito. Ele é de beleza infInita em toda a sua perfeição moral. É infinitamente sábio, justo, bom e forte. "Ele ... é o resplendor da glória e a expressão exata do ... Ser [de Deus], sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder" (Hb 1.3). Vê-Io e conhecê-lo satisfaz mais do que possuir todos os bens da terra.
Aqueles que o conheciam melhor disseram
o seguinte:
"... o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo" (Fp 3.7,8).
"Cristo morreu para que vivêssemos por ele" não significa "para que o ajudássemos". [Deus] "não é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse" (At 17.25). Nem Cristo. "... pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mc 10.45). Cristo morreu, não para que pudéssemos ajudá-lo, mas para que o pudéssemos ver e prová-lo como de valor infinito. Morreu para nos desmamar dos prazeres venenosos e nos enlevar com os prazeres de sua beleza. Nisso somos amados e ele é honrado. Não são objetivos que competem entre si. São o mesmo.
Jesus disse aos seus discípulos que tinha de ir para que pudesse enviar o Espírito Santo, o Ajudador (Jo 16.7). Passou então a lhes dizer o que o Consolador faria quando viesse: "Ele me glorificará" (Jo 16.14). Cristo morreu e ressurgiu para que o víssemos e o glorificássemos. É essa a maior ajuda que existe no mundo. É amor. A oração mais repleta de amor feita por Jesus foi: "Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam a minha glória" (Jo 17.24). Foi para isto que Cristo morreu. Isto é amor. Sofrer para nos conceder prazer eterno, ou seja, ele mesmo.

Conclusão

A morte de Cristo é imagem clara de sacrifício, de entrega. Como cristãos que professamos ser, temos de nos lembrar disso constantemente. Morremos com Cristo para o pecado e agora vivemos para ele. A mortificação do pecado deve ser uma constante em nossa vida, assim como o empenho na prática da justiça e na frutificação. Sequer podemos dizer que não somos capazes, pois é o próprio Cristo que nos capacita.

Aplicação

Como as pessoas vêem a mortificação do pecado em suas vidas? Você seria capaz de elaborar um quadro que demonstre quanto você tem frutificado?

Sacrifício Jesus Cristo fez-se Expiação por nosso pecado

"A quem (Jesus Cristo) Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé... " Rm 3.25

Expiação significa consertar, apagar a ofensa e dar satisfação por erros cometidos, reconciliando assim as pessoas separadas e restaurando entre elas a relação rompida.
A Escritura menciona todos os seres humanos como necessitados de reparação de seus pecados, porém faltos de todo o poder e recursos para fazê-lo. Ofendemos nosso santo Criador, cuja natureza é odiar o pecado (Jr 44.4; Hc 1.13) e puni-lo (Sl 5.4-6; Rm 1.18; 2.5-9). Nenhuma aceitação haverá da parte desse Deus, ou comunhão com Ele, a menos que a reparação se faça, e considerando que há pecado mesmo em nossas melhores ações, qualquer coisa que façamos na esperança de repará-lo pode somente agravar nossa culpa ou piorar nossa situação. Isto torna danosa a insensatez de procurar instituir uma justiça própria diante de Deus (Jô 15.14-16; Rm 10-2, 3); isto simplesmente não pode ser feito.
Entretanto, contra este pano de fundo da desesperança humana, a Escritura anuncia o amor, a graça, a misericórdia, a piedade, a bondade e a compaixão de Deus _ o Criador ofendido, que provê em si mesmo a expiação que aquele pecado tornou necessária. Esta maravilhosa graça é o centro focal da fé, esperança, adoração, ética e vida espiritual do Novo Testamento; de Mateus ao Apocalipse ela refulge com opulenta glória.
Quando Deus tirou Israel do Egito, Ele instituiu como parte do relacionamento pactual um sistema de sacrifícios que tinha no seu centro o derramamento e oferta do sangue de animais sem defeito “para fazer expiação para vossas almas” (Lv 17.11). Esses sacrifícios eram típicos (isto é, tipos, pois apontavam para algo mais adiante). Embora os pecados fossem, de fato, “deixados impunes” (Rm 3.25) quando os sacrifícios eram oferecidos fielmente, o que efetivamente os apagava não era o sangue do animal (Hb 10.11), mas o sangue do antítipo, o Filho de Deus sem pecado, Jesus Cristo, cuja morte na cruz fez expiação por todos os pecados cometidos antes do evento, bem como por todos os pecados cometidos depois dele (Rm 3.2526; 4.3-8; Hb 9.11-15).
As referências do Novo Testamento ao sangue de Cristo são comumente sacrificiais (por exemplo, Rm 3.25; 5.9 Ef 1.17; Ap 1.5). Como sacrifício perfeito pelo pecado ( Rm 8.3; Ef 5.2; 1 Pe 1.18,19), a morte de Cristo foi nossa redenção (isto é, nosso livramento por resgate: o pagamento de um preço que nos tornou livres do perigo da culpa, escravidão ao pecado e expectativa da ira; Rm 3.24; Gl 4.4,5; Cl 1.14). A morte de Cristo foi o ato de Deus de reconciliar-nos com Ele, superando sua própria hostilidade contra nós, provocada pelo pecado (Rm 5.10; 2 Co 5.18,19; Cl 1.20-22). A Cruz foi a propiciação de Deus (isto é, aplacou sua ira contra nós pela expiação de nossos pecados e, assim, os removeu de sua vida). Os textos-chave aqui são Romanos 3.25; Hebreus 2.17; 1 João 2.2 e 4.10, em todos os quais o grego expressa explicitamente a propiciação. A cruz tinha seu efeito propiciatório, porque em seu sofrimento Cristo assumiu nossa identidade, por assim dizer, e suportou o julgamento retribuidor a nós destinado (“a maldição da lei”, Gl 3.13), como nosso substituto, em nosso lugar, com o registro condenatório pregado por Deus em sua cruz como uma relação dos crimes pelos quais Ele estava então morrendo (Cl 2.14; cf Mt 27.37; Is 53.4-6; Lc 22.37).
 A morte expiatória de Cristo ratificou a inauguração da nova aliança, pela qual o acesso a Deus em todas as circunstâncias é garantido pelo só sacrifício de Cristo, que cobre todas as transgressões (Mt 26.27,28; 1 Co 11.25; Hb 9.15; 10.12-18). Aqueles que pela fé em Cristo receberam a reconciliação, nele são “feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21). Em outras palavras, eles são justificados e recebem o status de filhos adotivos na família de Deus (Gl 4.5). Depois disto, vivem sob o amor motivador de Cristo para com eles, o qual os constrange e controla, amor que se fez conhecido e medido pela cruz (2 Co 5.14).
Autor: J. I. Packer

Jesus como Mediador Rm 8.33,34; 1 Tm 2.5; Hb 7.20-25; 9.11,12 "Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem." 1 Tm 2.5

Um mediador é um intermediário. É aquele que fica entre duas ou mais pessoas ou grupos e disputa e tenta promover sua reconciliação. Em termos bíblicos, os seres humanos são descritos como vivendo em inimizade contra Deus. Nós nos rebelamos, no revoltamos e nos recusamos obedecer à Lei de Deus. Como  resultados, a ira de Deus permanece sobre nós. Para que esta situação catastrófica seja mudada ou remediada, é necessário no reconciliarmos com Deus.
Para efetuar nossa reconciliação, Deus o Pai designou e enviou seu Filho para ser nosso Mediador. Cristo traz a nós nada menos que a majestade divina do próprio Deus -  ele é o Deus encarnado. Para isso, ele tornou para si uma natureza humana e voluntariamente submeteu-se ás exigências da Lei de Deus.
Cristo não iniciou a reconciliação tentando persuadir o Pai a deixar de  lado sua ira. Pelo contrário, no conselho eterno da Deidade houve completo concordância entre o Pai e o Filho de que este deveria vir como Mediador. Nenhum anjo poderia representar Deus adequadamente em relação a nós; somente o próprio Deus poderia fazê-lo.
 Na encarnação, o Filho tornou para si a natureza humana a fim de efetuar a redenção da descendência caída de Adão. Por meio da sua perfeita obediência, Cristo satisfez as exigências da lei de Deus e mereceu a vida eterna para nós. Por sua submissão à morte expiatória na cruz, ele satisfez as exigências da ira de deus contra nós. Positivamente e negativamente Cristo satisfez os requerimentos divinos para a reconciliação. Estabeleceu para nós uma nova aliança com Deus por  meio do seu sangue e continua a interceder por nós diariamente como nosso Sumo Sacerdote.
Um mediador eficiente é aquele capaz de gerar a paz entre as partes em  conflito ou inimizades. Este foi o papel que Jesus desempenhou como nosso  perfeito Mediador. Paulo declarou que temos paz  com Deus através da obra de Cristo de reconciliação:"Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo" Rm 5.1
A obra medianeira de Cristo é superior a de todos os outros mediadores. Moisés foi mediador da antiga aliança. Serviu como intermediário de Deus, dando a lei aos israelitas. Jesus, porém, é superior a Moisés. O autor de Hebreus declara:
"Porque ele[Jesus] é tido por digno de tanto maior glória do que Moisés, quanto maior honra do que a casa tem aquele que a edificou. Porque toda a casa é edificada por alguém, mas o que edificou todas as coisas é Deus. E, na verdade, Moisés foi fiel em toda a sua casa, como servo, para testemunho das coisas que se haviam de anunciar; Mas Cristo, como Filho, sobre a sua própria casa; a qual casa somos nós, se tão somente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até ao fim." Hb 3.3-6
Sumário
1. Um mediador age para promover a paz entre a partes inimizadas.
2. Cristo, como deus-Homem nos reconcilia com o Pai.
3. Cristo e o Pai estão concordes, desde a eternidade, de que Cristo seria nosso Mediador.
4. A obra medianeira de Cristo é superior à dos profetas, dos anjos e de Moisés.

A impecabilidade de Jesus Jesus Cristo era totalmente isento de pecado

[Cristo] ... não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano." 1 Pe 2.22
O Novo Testamento insiste que Jesus era totalmente isento de pecado ( Jo 8.46; 2 Co 5.21; Hb 4.15; 7.26; 1 Pe 2.22; 1 Jo 3.5). Isto quer dizer que não somente Ele nunca desobedeceu a seu Pai, mas que amava a lei de Deus e sentia sincero prazer em cumpri-la. Nos seres humanos degradados há sempre alguma relutância em obedecer a Deus, e algumas vezes ressentimento que se transforma em ódio diante das alagações que Ele faz sobre nós (Rm 8.7). Mas a natureza moral de Jesus era inocente, com foi a de Adão antes de seu pecado, e em Jesus não havia nenhuma inclinação de afastar-se de Deus que permitisse a Satanás tirar proveito de todo  seu coração, mente, alma e força.
Hebreus 4.15 diz que Jesus foi "tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado". Isto significa que todas as tentações que enfrentamos - para satisfazer erradamente os desejos natura os do corpo e da mete, evitar assuntos morais e espirituais, desviar-se da moral e buscar caminhos fáceis, ser menos do que amável, solidário e bondoso para como os outros, tornar-se autoprotetor e autocomiserativo etc. - vieram sobre Ele, mas Ele não cedeu a nenhuma delas.  A oposição opressora não o subjugou, e diante da agonia do Getsêmani e da cruz lutou contra a tentação e resistiu ao pecado, a ponto de ter seu sangue derramado. Os crentes devem aprender com Ele a proceder da mesma maneira (Hb 12.3-13; Lc 14.25-33)
A impecabilidade de Jesus era necessária para a nossa salvação. Não fosse Ele " um cordeiro sem defeito e sem mácula", seu sangue não teria sido "precioso" (1 Pe 1.19). Ele mesmo teria necessitado de um salvador, e sua morte não nos teria redimido. Sua obediência ativa (perfeita conformidade permanente à lei  de Deus para a raça humana, e à sua vontade revelada para o Messias) qualificou Jesus a tornar-se nosso Salvador ao morrer por nós sobre a cruz. A obediência passiva de Jesus (suportando o castigo da lei violada de Deus como nosso substituto imaculado) coroou sua obediência ativa para assegurar o perdão e aceitação daqueles que colocaram sua fé nele (Rm 5.18,19; 2 Co 5.18-21; Fp 2.8; Hb 10.5-10)
Autor: J. I. Packer

Jesus Cristo como o Unigênito Jo 1.1-18; Cl 1.15-19; Hb 1.1-14 "Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou." Jo 1.18

 A referência bíblia a Jesus “o unigênito do Pai" (Jo 1.14) têm provocado grandes controvérsias na história da Igreja. Devido ao fato de Jesus ser chamado também de "o primogênito de toda a criação" (Cl 1.15), tem-se argumentado que a Bíblia ensina que ele não é divino, e, sim, uma criatura exaltada.
 As testemunhas de Jeová e os Mormons negam a divindade de Cristo apelando para esses conceitos. É principalmente devido a essa negação da divindade de Cristo que esses grupos sãos considerados como seitas e não como denominações cristãs.
A divindade de Cristo tornou-se uma questão crucial no século IV, quando o herege Ário negou a Trindade. O principal argumento dele contra a divindade de Cristo antecipou os argumentos atuais das Testemunhas de Jeová e dos Mórmons. Ário foi condenado como herege no Concílio de Nicéia no ano 325 d.C.
Ário alegava que a palavra grega traduzida por "unigênito" significa "acontecer", "tornar-se", ou "começar a ser". Aquilo que é gerado deve ter um início no tempo. Tem de ser finito com relação ao tempo, que é um sinal da condição de criatura. Ser o "primogênito de toda a criação' pressupõe o nível supremo da condição de criatura, uma categoria, mas que os anjos, mas não vai além do nível de criatura é digna de adoração. Ário via a atribuição de divindade a Jesus Cristo como uma blasfêmia e rejeição do monoteísmo bíblico. Para Ário, Deus deve ser considerado como ”um", tanto no ser como em pessoa.
 O Credo de Nicéia reflete a resposta da Igreja à heresia ariana. Confessa que Jesus era "gerado, não criado". Nesta fórmula simples a Igreja demonstrava zelo em se proteger contra a idéia de  interpretar o termo unigênito significado  ou implicando um condição de criatura.
Alguns historiadores têm falhado em relação ao Concílio de Nicéia, engajando-se na defesa especial ou no exercício da ginástica mental ao fugirem do significado claro e simples da palavra grega, unigênito, e da frase “primogênito de toda a criação”.  A igreja, porém, não fugiu arbitrariamente do significado simples desses termos. Havia bases justificáveis para proteger o termo unigênito com  qualificativo "não criado".
Primeiro, a igreja estava procurando entender esses termos no contexto total do ensino bíblico concernente à natureza de Cristo. Convencida de que o Novo Testamento claramente atribui divindade a Cristo, a Igreja se pôs contra lançar uma parte das Escrituras contra outras.
Segundo, embora o Novo Testamento fosse escrito na língua grega a maioria das formas de pensamentos e conceitos está saturada de significados hebraicos. Os conceitos hebraicos são expressos por meios do veículo da língua grega. Este fato soa como uma advertência contra a interpretação muito literal com base nas difíceis nuanças do grego clássico. Assim como João usa o termo logos para referir-se a Jesus, seria um erro saturar esse  termo exclusivamente  com as idéias gregas associadas ao uso da palavra.
 Terceiro, o termo unigênito é usado numa forma modificada no Novo Testamento. Em João 1.14 Jesus é referido como "o unigênito do Pai". Em algumas traduções, em João 1.18 ele chamado de o "Filho unigênito", Existem evidências significativas nos manuscritos que sugerem que o original grego dizia "o Deus unigênito". Tivesses esse texto sido aceito, acabaria o debate. Entretanto, se tratarmos o texto com redigido "o Filho unigênito", ainda teremos um modificador crucial. Jesus é chamado o único gerado (gr. monogenais). O prefixo mono no grego é mais forte do que a palavra único em nosso idoma. Jesus é absolutamente singular em sua genitural. Ele é o único gerado. Ninguém ou nenhum outro é gerado no sentido como Jesus o foi. O fato de a Igreja falar  sobre Jesus como o eterno unigênito é uma tentativa de fazer justiça a isso. O Filho procede eternamente do Pai, não como criatura, mas como a Segunda Pessoa da Trindade.
O livro de Hebreus, que também refere-se a Jesus como sendo o "gerado" (Hb 1.5), talvez seja a epístola que nos fornece a mais elevada Cristologia encontrada no Novo Testamento. O único livro que rivaliza com Hebreus nesse aspecto é o Evangelho de João. è João quem claramente chama Jesus de "Deus". Também é João quem fala de Cristo como o "unigênito".
Finalmente, a frase "primogênito de toda a criação" deve ser entendida a luz do contexto da cultura judaica do século I. Deste ponto de vista, podemos ver que o termo primogênito refere-se à condição exaltada de Cristo como  o herdeiro do Pai. Assim como o filho primogênito geralmente recebia a herança patriarcal, assim Jesus, como o divino Filho, recebe o reino do Pai como herança.
Sumário
1. O Fato de Jesus ser chamado “O unigênito do Pai” e  de “primogênito de toda a criação tem criado controvérsias na história da igreja quanto à sua divindade.
2. Testemunhas de Jeová e os Mórmons usam tais passagens para negar a divindade de Cristo.
3. o Credo de Nicéia claramente expressa que Jesus era "gerado, não criado". Essa distinção cuidadosa era um reflexo da afirmação do Novo Testamento da divindade de Cristo.
4. Jesus é chamado "o unigênito do Pai”. Jesus é o único gerado do Pai, não como criatura, mas como o eterno Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Trindade.
5. O termo primogênito deve ser entendido a luz do contexto da cultura judaica do século I. Jesus é o primogênito de toda a criação no sentido de que ele é o herdeiro de tudo aquilo que pertence ao Pai.
Autor:  R. C. Sproul

O Nascimento Virginal de Cristo Is 7.10-16; Lc 1.26-38; Mt 1.18-25; Rm 1.3,4; 1 Co 15.45-49; Gl 4.4

"E, respondendo o anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus.," (Lc 1.35)
A doutrina do nascimento virginal de Cristo sustenta que seu nascimento foi  resultado de uma concepção miraculosa, por meio da qual a Virgem Maria concebeu um bebê em seu útero pelo poder do Espírito Santo, sem um pai humano. O nascimento miraculoso de Cristo nos diz muito sobre sua natureza. O fato de ter nascido de uma mulher demonstra que ele era realmente humano e que se tornou um de nós. A humanidade de Cristo, contudo, não era precisamente como a nossa. Nós nascemos com o pecado original - Cristo, não.
O nascimento virginal também relaciona-se com a divindade de Cristo. Embora certamente seja possível que a Divindade entrasse no mundo de oura maneira além de um nascimento virginal, o milagre de seu nascimento aponta para sua divindade. O anúncio do anjo Gabriel a Maria enfatiza este ponto. Quando o anjo disse a Maria que ela teria um filho, ela ficou perplexa: " Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?"(Lc 1.34).
A resposta de Gabriel é de um significado decisivo para nosso entendimento do nascimento virginal: "Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus." (Lc 1.35). Momentos depois o anjo acrescentou: "Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas" (Lc 1.37).
Excetuando-se o sistema de inseminação artificial, que representa uma variação moderna e não miraculosa de concepção, nada é mais regular ou  comum na natureza do que a relação que resulta na concepção de um bebê. Uma mulher ficar grávida sem ter tido qualquer intercurso sexual com um homem não só é biologicamente extraordinário, tal coisa é claramente contrário às leis da natureza.
O filho de Maria, entretanto, não foi gerado por ela própria. O "pai" do bebê é o Espírito Santo. A linguagem bíblica ao falar do Espírito descendo sobre Maria e a "envolvendo com sua sombra" lembra a descrição do relato da obra do Espírito Santo na criação original do mundo. Revela que aquela criança seria uma criação especial e que seu pai seria o próprio Deus.
Aqueles  que não crêem no nascimento virginal geralmente não crêem que Jesus é o legítimo Filho de Deus. E assim, o nascimento virginal é como um "divisor de águas", separando os cristãos ortodoxo daqueles que não crêem na Ressurreição e na Expiação.
Sumario
1. A Bíblia ensina claramente e sem ambigüidade o nascimento virginal.
2. O nascimento de Jesus, de uma mulher, aponta para sua humanidade e sua manifestação como o novo ou segundo Adão.
3. O fato de Jesus ter nascido sem uma paternidade humana aponta para sua natureza divina como o Filho de Deus.
4. A negação do nascimento virginal geralmente está ligada à negação dos elementos sobrenaturais ou miraculosos das Escrituras.
Autor:  R. C. Sproul

A Subordinação de Cristo Jo 4.34; Jo 5.30; Fp 2.5-8; Hb 5.8-10; Hb 10.5-10

O que é um subordinado? Em nosso idioma, é claro que ser subordinado  a alguém é estar "debaixo" de sua autoridade. Um subordinado não está no mesmo escalão; não está no mesmo nível de autoridade que seu superior. O prefixo sub significa "sob", e super significa "sobre" ou "acima".
 Quando falamos da subordinação de Cristo, temos de fazê-lo com grande cuidado. Nossa cultura relaciona subordinação com interiorização. Na Trindade, porém, todos os membros são iguais em natureza, em honra e em glória. Todos os três membros são eternos e auto-existentes; todos compartilham todos os aspectos e atributos da deidade.
No plano redentivo de Deus, entretanto, o Filho voluntariamente assume um papel de subordinação ao Pai. È o Pai quem envia o Filho ao mundo. O Filho obedientemente vem à terra para fazer a vontade do Pai. Temos de ter cuidado, porém, para perceber que não há nenhum senso de obediência relutante. Assim como são o mesmo em glória, o Pai e o Filho também são um na vontade. O Pai deseja a redenção tanto quanto o Filho. O Filho almeja realizar a obre de salvação, assim como o Pai almeja que o faça. Jesus declarou que era consumido de zelo pela casa de sua Pai (Jo 2.17) e que sua comida e bebida era fazer a vontade do Pai (Jo 4.34).
Finalmente, devemos observar que a subordinação e a obediência de Cristo não foram demonstradas apenas em meio ao sofrimento. O plano incluía todos os aspectos da obre de Cristo por nós em sua glorificação final. A confissão de Westiminster explica a inter-relação do propósito do Pai e a obra de Cristo:
Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do mundo; e deu-lhe, desde toda a eternidade, um povo para ser sua semente, e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.
Ao submeter-se à perfeita vontade do Pai, Jesus fez por nós aquilo que não estávamos dispostos a fazer e éramos incapazes de fazer por nós mesmos: obedeceu perfeitamente à Lei de Deus. Em seu batismo, Jesus disse a João Batista: "Assim nos convém cumprir toda a justiça" (Mt 3.15). Toda a vida e  o ministério de Jesus demonstraram sua perfeita obediência.
Ao obedecer perfeitamente à Lei, Jesus cumpriu duas coisas vitais e importantíssimas. Por um lado, qualificou-se  para ser nosso Redentor, o Cordeiro sem mácula. Se tivesse pecado, ele não poderia fazer expiação pelo seu próprio pecado, muito menos pelos nossos. Segundo, por meio de sua obediência perfeita, ele mereceu as recompensas que Deus prometera a todo aquele que guardasse sia aliança. Jesus mereceu as recompensas celestiais, as quais concedeu a nós. Como o subordinado, Jesus salvou um povo que tinha sido insubordinado.
PAI=FILHO
Iguais no ser e nos atributos eternos
Sumário
1. Embora Cristo seja igual ao Pai em termos de natureza divina, é subordinando ao Pai em seu papel na redenção.
2. Subordinação não significa "inferioridade".
3. A subordinação de Cristo é voluntária.
4. A obediência perfeita de Cristo o qualificou para carregar os pecados do seu povo e para merecer as recompensas celestiais prometidas aos remidos.
PAI
o Filho se subordina na obra da Redenção
FILHO

A Obediência de Cristo Jesus Cristo cumpriu a vontade redentora de seu Pai

Mas Jesus respondeu, e disse-lhes: Na verdade, na verdade vos digo que o Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma, se o não vir fazer o Pai; porque tudo quanto ele faz, o Filho o faz igualmente."Jo 5.19
A humildade na Escrituras não significa fingir não ter valor e recusar posição de responsabilidade, mas conhecer e manter o lugar que Deus designou a cada um. Ser humildade é uma elevada questão de adaptar-se ao plano de Deus, quer seja uma elevada posição de liderança (Moisés era humildade como líder, Nm 12.3) ou a obscuridade da subserviência.
Quando Jesus afirmou que era "humilde de coração" (Mt 11.29). Ele quis dizer que estava conscienciosamente seguindo o plano do Pai para sua vida terrena.
Nisto Ele estava mantendo seu lugar como segunda Pessoa da Divindade. As três Pessoas da Santa Trindade são eternas e auto-existentes, participando igualmente de todos os aspectos e atributos da Divindade, e sempre agindo juntos em cooperação solidária. Mas o modelo cooperativo imutável é que a segunda e a terceira Pessoas se identificam com o propósito da primeira, de sorte que o Filho se torna o executivo do Pai e o Espírito age como agente de ambos. È da natureza e alegria do Filho fazer a vontade do seu Pai (Jo 3.34).
Com respeito à redenção, a vontade do Pai para o Filho é às  vezes chamado pacto de redenção, uma vez que ele tem a forma de um acordo entre duas partes sobre um programa e uma promessa. A Confissão de Westiminster resume o acordo (propósito do Pai aceito pelo Filho), com segue:
Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser Mediador entre Deus e o homem. o Profeta, Sacerdote e rei, a Cabeça e Salvador de sua igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do mundo; e deu-lhe desde toda a eternidade uma  povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser  por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado. (VIII.I)
(Para confirmação das idéias e frascologia desta declaração ver Ef 3.11; 1 Pe 1.20;  1 Tm  2.5; At 3.22; Hb 5.5,6; Lc 1.33; Ef 5.23; Hb 1.2; At 17.31; is 53.10; Jo 17.6;  1 Co 1.30; Rm 8.29,30)
Este propósito do Pai para o Filho tinha dois estágios. O primeiro estágio foi a humilhação. O Filho eterno abriu mão  de sua glória e, mediante a encarnação, tornou-se um pobre homem e um religioso intruso. Finalmente, por meio de um julgamento-exibição e de uma inescrupulosa manipulação da franqueza moral de Pilatos, Ele se tornou um criminoso condenado, sofrendo uma terrível morte como portador do pecado da raça humana (Fp 2.6-8; 2 Co 8.9; Gl 3.13; 4.4,5).
O Segundo estágio foi a exaltação. Cristo ressuscitou, subiu ao céu, e agora, por designação de seu Pai, reina como rei sobre o mundo e a igreja (Fp 2.9-11), enviando o Espírito Santo (Jo 15.26; 16.7; At 2.33) e, por Ele, aplicado a nós a redenção que pela morte conquistou para nós. Atraindo para  si aqueles que lhe foram dado (Jo 12.32), intercedendo por eles (Rm 8.34; Hb 7.25; Jo 17), protegendo, guiando e  cuidando deles como um pastor cuida de sua ovelhas (Jo 10.27-30), Ele está presentemente trazendo muitos filhos à glória (Hb 2.10), de acordo com o plano do Pai, e Ele continuará a fazer isso até que todos os eleitos de Deus cheguem ao arrependimento e à nova vida (2 Pe 3.9).
Em tudo isto o Filho está obedecendo ao Pai com verdadeira humildade, vivendo uma subordinação natural, voluntária e Jubilosa. Enquanto isto, o objetivo do Pai de ter o Filho adorado e glorificado igualmente com Ele próprio está sendo firmemente realizado (Jo 5.19-23).
Autor: J. I. Packer

A pessoa de Cristo • Como Jesus pode ser plenamente Deus e plenamente homem, sendo, todavia, uma só pessoa? NOTA: AT=Antigo Testamento; NT=Novo Testamento

1. EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA
Podemos resumir o ensino bíblico a respeito da pessoa de Cristo da seguinte maneira: Jesus Cristo era plenamente Deus e plenamente homem em uma só pessoa, e assim será para sempre.
O material escriturístico que dá suporte a essa definição é muito extenso. Discutiremos primeiro a humanidade de Cristo e depois sua divindade, e então tentaremos mostrar como a divindade e a humanidade de Jesus estão unidas em uma só pessoa.
A. A humanidade de Cristo
1. Nascimento virginal. Quando falamos da humanidade de Cristo, convém começar pela consideração sobre o nascimento virginal de Cristo. A Escritura assevera claramente que Jesus foi concebido no ventre de sua mãe, Maria, por uma obra miraculosa do Espírito Santo, sem pai humano.
“foi assim o nascimento de Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt 1.18). Logo em seguida o anjo do Senhor disse a José, que era comprometido com Maria: “José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo” (Mt 1.20). Então, lemos: “Ao acordar, José fez o que o anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu Maria como sua esposa. Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele lhe pôs o nome de Jesus” (Mt 1.24,25).
O mesmo fato é afirmado no evangelho de Lucas, onde lemos a respeito da aparição do anjo Gabriel a Maria. Após o anjo ter-lhe dito que ela teria um filho, Maria disse: “Como acontecerá isso, se sou virgem?” O anjo respondeu: “O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com a sua sombra. Assim, aquele que há de nascer será chamado Santo, Filho de Deus” (Lc 1. 34,35; cf. 3.23).
Só essa afirmação da Escritura sobre o nascimento virginal de Cristo já nos dá a autorização suficiente para abraçar essa doutrina. Contudo, há também algumas implicações doutrinárias cruciais do nascimento virginal que ilustram sua importância. Podemos vê-las ao menos em três áreas:
a. Ela mostra que em última instância a salvação vem do Senhor, O nascimento virginal de Cristo é o lembrete inconfundível do fato de que a salvação não pode nunca vir por intermédio do esforço humano, mas deve ser obra sobrenatural de Deus. Esse fato estava evidente já no começo da vida de Jesus: ‘Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei [...] para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4.4,5).
b. O nascimento virginal tornou possível a união da plena divindade com a plena humanidade em uma só pessoa. Esse foi o meio que Deus usou para enviar seu Filho (Jo 3.16; Gl 4.4) ao mundo como homem. Se pensarmos por um momento em outros modos possíveis pelos quais Cristo poderia ter vindo ao mundo, nenhum deles seria claramente a união entre divindade e humanidade em uma pessoa. Provavelmente teria sido possível Deus criar Jesus como ser humano completo no céu e enviá-lo do céu para a terra sem o concurso de qualquer progenitor humano. Mas assim seria muito difícil vermos como Jesus poderia ser plenamente humano como nós somos. Por outro lado, provavelmente também teria sido possível Deus enviar Jesus ao mundo com dois pais humanos, tanto o pai como a mãe, e fazer unir miraculosamente sua plena natureza divina à natureza humana em algum ponto, bem no começo de sua vida. Mas assim seria difícil entendermos como Jesus poderia ser plenamente Deus, já que sua origem seria igual a nossa em cada detalhe. Quando pensamos nessas duas outras possibilidades, isso nos ajuda a entender como Deus, em sua sabedoria, ordenou a combinação da influência humana e divina no nascimento de Cristo, de forma que sua plena humanidade seria evidente a partir de seu nascimento humano comum procedente de uma mãe humana, e a sua plena divindade seria evidente a partir do fato de sua concepção no ventre de Maria pela obra poderosa do Espírito Santo.
c. O nascimento virginal também torna possível a verdadeira humanidade de Cristo sem o pecado herdado. Como já observamos no capítulo 14, todos os seres humanos herdaram do primeiro pai, Adão, a culpa legal e a corrupção da natureza moral. Mas o fato de que Jesus não teve um pai humano significa que a linha de descendência de Adão é parcialmente interrompida. Jesus não descendeu de Adão exatamente da mesma forma que quaisquer outros seres humanos descenderam de Adão. Isso nos ajuda a entender por que a culpa legal e a corrupção moral que pertencem a todos os outros seres humanos não pertencem a Cristo.
Mas por que Jesus não herdou a natureza pecaminosa de Maria?
A Igreja Católica Romana responde a essa pergunta dizendo que a própria Maria foi livre do pecado, mas a Escritura em nenhum lugar ensina tal doutrina, que aliás não resolveria o problema de forma alguma (pois por que, então, Maria não teria herdado o pecado de sua mãe?). Uma solução melhor é dizer que a obra do Espírito Santo em Maria deve ter evitado não somente a transmissão do pecado de José (por Jesus não ter tido um pai humano), mas também, de modo miraculoso, a transmissão do pecado de Maria: “O Espírito Santo virá sobre você [...] Assim, aquele que há de nascer será chamado Santo, Filho de Deus” (Lc 1.35).
‘Essa tradução do texto grego (‘Assim, aquele que há de nascer será chamado Santo, Filho de Deus”) é melhor do que a feita pela ARC e pela RA (“por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus”). Ela é melhor porque outros exemplos da literatura antiga mostram que a expressão grega to gennōmenon deve ser entendida como “a criança por nascer”
2.Fraqueza e limitações humanas.

A. Jesus possuía corpo humano. O fato de Jesus possuir um corpo humano exatamente como o nosso corpo é claramente visto em muitas passagens da Escritura. Ele nasceu exatamente como todos os bebês humanos nascem (Lc 2.7). Cresceu da infância até a maturidade exatamente como as outras crianças crescem: “O menino crescia e se fortalecia, enchendo-se de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele” (Lc 2.40). Além disso, Lucas nos diz que “Jesus ia crescendo em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52).
Jesus se cansava exatamente como nós nos cansamos, pois lemos que, junto a fonte de Jacó, em Samaria, “Jesus, cansado da viagem, sentou-se à beira do poço. Isso se deu por volta do meio-dia” (Jo 4.6). Ele teve sede, pois, quando estava na cruz, disse: “Tenho sede” (Jo 19.28). Após ter jejuado por quarenta dias no deserto, lemos que Jesus “teve fome” (Mt 4.2). Em certas ocasiões esteve fisicamente fraco, pois durante sua tentação no deserto jejuou quarenta dias (situação em que a força física de um ser humano se esvai quase totalmente, além do que pode ocorrer grande dano físico se o jejum continua). Naquela ocasião os “anjos vieram e o serviram” (Mt 4.11), certamente para cuidar dele e proporcionar alimento até que recobrasse suas forças para sair do deserto. O ponto máximo das limitações de Jesus em termos de seu corpo humano foi visto quando ele morreu na cruz (Lc 23.46). Seu corpo humano cessou de ter vida e de funcionar, exatamente como acontece com o corpo de qualquer pessoa quando morre.
Jesus também ressuscitou dos mortos fisicamente, em corpo, embora tal corpo tenha se tornado perfeito e não mais fosse sujeito a fraquezas, doença ou morte. Ele demonstra repetidamente aos seus discípulos que, de fato, possuía um corpo físico real dizendo: “Vejam as minhas mãos e os meus pés. Sou eu mesmo! Toquem-me e vejam; um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho” (Lc 24.39). Ele lhes estava mostrando e ensinando que era “carne e ossos” e não meramente um “espírito”, sem corpo. Outra evidência desse fato é que “deram-lhe um pedaço de peixe assado, e ele o comeu na presença deles” (Lc 24.42,43; cf. v. 30; Jo 20.17,20,27; 21.9,13).
Com esse mesmo corpo humano (embora ressurreto que foi tornado perfeito), Jesus também subiu ao céu. Ele disse antes de subir: [...] “agora deixo o mundo e volto para o Pai” (Jo 16.28; cf. 17.11). O modo pelo qual Jesus subiu para o céu foi estabelecido para demonstrar a continuidade entre sua existência com corpo físico aqui sobre a terra e sua existência contínua com esse corpo no céu. Exatamente poucos versículos após Jesus ter-lhes dito: “um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho” (Lc 24.39), lemos no evangelho de Lucas que Jesus, “tendo-os levado até as proximidades de Betânia [...] ergueu as mãos e os abençoou. Estando ainda a abençoá-los, ele os deixou e foi elevado ao céu” (Lc 24. 50,51). Semelhantemente, lemos em Atos que Jesus “foi elevado às alturas enquanto eles olhavam, e uma nuvem o encobriu da vista deles” (At 1.9).
Todos esses versículos vistos juntos mostram que, no que diz respeito ao corpo humano de Jesus, ele era igual ao nosso em cada aspecto antes da ressurreição e após a ressurreição era ainda um corpo humano com “carne e ossos”, mas tornado perfeito, a espécie de corpo que teremos quando Cristo retornar e nós igualmente ressuscitarmos dos mortos.

B. Jesus possuía mente humana. O fato de que Jesus “ia crescendo em sabedoria” (Lc 2.52) significa que ele passou pelo processo de aprendizado exatamente como todas as outras crianças passam — aprendeu a comer, a andar, a ler e a escrever, e a ser obediente aos seus pais (v. Hb 5.8). Esse processo regular de aprendizado fazia parte da genuína humanidade de Cristo.
Também vemos que Jesus tinha uma mente humana igual à nossa quando ele fala sobre o dia do seu retorno à terra: “Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, senão somente o Pai” (Mc 13.32).
C. Jesus possuía alma e emoções humanas. Vemos diversas indicações de que Jesus possuía uma alma (ou espírito) humano. Exatamente antes de sua crucificação, Jesus disse: “Agora, está angustiada a minha alma” (RA, Jo 12.27). João escreve um pouco mais tarde, dizendo que “Jesus perturbou-se em espírito” (Jo 13.21). Em ambos os versículos as palavras angústia e perturbação são traduções do termo grego tarassō, palavra bastante usada para referir-se a pessoas que estão ansiosas ou se sentem repentinamente confrontadas pelo perigo. Além disso, antes de sua crucificação, à medida que percebia o sofrimento que haveria de enfrentar, Jesus disse: “A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal” (Mt 26.38). Tão grande era a tristeza que ele sentia que parecia estar tirando a sua vida.
Jesus experimentou grande variedade de emoções humanas. Ele “admirou-se” da fé do centurião (Mt 8.10). Chorou de tristeza na morte de Lázaro (Jo 11.35). Orou com o coração cheio de emoção, pois “durante os seus dias de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, sendo ouvido por causa da sua reverente submissão” (Hb 5.7).
O autor de Hebreus também nos diz o seguinte: “Embora sendo Filho, ele aprendeu a obedecer por meio daquilo que sofreu; e, urna vez aperfeiçoado, tornou-se a fonte da salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5.8,9). Todavia, se Jesus nunca pecou, como poderia “aprender a obedecer”? Certamente, enquanto crescia para a maturidade, Jesus, igual a todas as outras crianças, foi capaz de aceitar mais e mais responsabilidade. Quanto mais ele crescia, mais exigências seus pais colocavam sobre os seus ombros em termos de obediência, e mais tarefas difíceis seu Pai celestial lhe atribuía para que desempenhasse segundo a força de sua natureza humana. Quanto mais uma tarefa se tornava difícil e quanto mais as circunstâncias se tornavam difíceis, mesmo quando envolviam algum sofrimento (como Hb 5.8 especifica), mais aumentava a capacidade moral de Jesus, como homem, para obedecer. Poderíamos dizer que a ”espinha dorsal do comportamento moral” de Jesus era fortalecida à medida que o exercício se tornava mais difícil. Todavia, em tudo isso ele nunca pecou.
3. Impecabilidade. Embora o NT afirme com clareza que Jesus era plenamente homem exatamente como nós somos, também afirma que ele era diferente em um aspecto importante: Jesus era sem pecado, e nunca pecou durante toda a sua vida. Alguns têm contraposto que, se Jesus não pecou, então não era verdadeiramente humano, pois todos os seres humanos pecam. Mas essa objeção simplesmente falha em perceber que os seres humanos estão agora em uma situação anormal. Deus não nos criou com pecaminosidade, mas santos e retos. Adão e Eva no Jardim do Éden antes de pecarem eram verdadeiramente seres humanos, e nós agora, embora humanos, não correspondemos ao padrão que Deus pretende que tenhamos quando a nossa humanidade sem pecado for plenamente restaurada.
A verdade de que Jesus não pecou é ensinada muitas vezes no NT. Vemos que Satanás foi incapaz de persuadir Jesus a pecar, após quarenta dias de tentação: “Tendo terminado todas essas tentações, o Diabo o deixou até ocasião oportuna” (Lc 4.13). Não vemos também nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) qualquer evidência de algo errado feito por Jesus. Aos judeus que se lhe opunham, Jesus perguntou: “Qual de vocês pode me acusar de algum pecado?” (Jo 8.46), e não obteve resposta alguma.
As afirmações a respeito da impecabilidade de Jesus são mais explícitas no evangelho de João. Jesus fez a estonteante proclamação: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12) Se entendermos que a luz representa tanto a veracidade como a pureza moral, então Jesus está afirmando categoricamente aqui ser a fonte da verdade e a fonte da pureza moral e da santidade no mundo — uma afirmação assombrosa que poderia somente ser feita por alguém que era livre do pecado. Além disso, com respeito à obediência ao seu Pai no céu, ele disse: “pois sempre faço o que lhe agrada” (Jo 8.29; o tempo presente do verbo dá o sentido de atividade contínua, “eu sempre estou fazendo o que lhe é agradável”). No final de sua vida, Jesus foi capaz de dizer: “[...] tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço” (Jo 15.10). É significativo que quando Jesus foi posto no julgamento perante Pilatos, a despeito da acusação dos judeus, Pilatos pode somente concluir: “Não acho nele motivo algum de acusação” (Jo 18.38).
Quando Paulo fala de Jesus vindo para viver como um homem, ele tomou o cuidado de não dizer que Jesus se tornou um “homem pecador”, mas antes diz que Deus enviou o seu próprio Filho “à semelhança do homem pecador, como oferta pelo pecado” (Rm 8.3). E ele se refere a Jesus como “aquele que não tinha pecado” (2Co 5.2 1). O autor de Hebreus afirma que Jesus foi tentado, mas ao mesmo tempo insiste que ele não pecou: Jesus é aquele que foi passou por todo tipo de tentação,porém, sem pecado”(Hb 4.15). Ele é um sumo sacerdote que é “santo, inculpável, puro, separado dos pecadores, exaltado acima dos céus” (Hb 7.26). Pedro fala de Jesus como “um cordeiro sem defeito e sem defeito” (lPe 1.19), usando uma figura do AT para afirmar que ele era livre de qualquer corrupção moral. Pedro afirma diretamente que ele “não cometeu pecado algum, e nenhum engano foi encontrado em sua boca” (lPe 2.22). Quando Jesus morreu, foi “o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus” (lPe 3.18). João, em sua primeira carta, chama Jesus Cristo de “o Justo” (lJo 2.1) e diz que “nele não há pecado” (lJo 3.5). É difícil negar, então, que a impecabilidade de Cristo seja ensinada claramente nas seções mais importantes do NT. Ele era verdadeiramente homem, todavia sem pecado.
O fato de que Jesus passar “por todo tipo de tentação” (Hb 4.15) tem grande significação para a nossa vida. Não importa quão difícil seja para compreender isso, a Escritura afirma que nessas tentações Jesus adquiriu uma capacidade de entender-nos e ajudar-nos em nossas tentações. “Porque, tendo em vista o que ele mesmo sofreu quando tentado, ele é capaz de socorrer aqueles que também estão sendo tentados” (Hb 2.18). O autor continua a conectar a capacidade de Jesus de simpatizar-se com as nossas fraquezas ao fato de que ele foi tentado como nos o somos: “pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado. Assim, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hb 4.15,16).
Isso tem implicações práticas para nós: em cada situação em que estamos lutando com a tentação, devemos refletir sobre a vida de Cristo e perguntar se não houve situações semelhantes que ele enfrentou. Geralmente, após refletirmos por um pouco, seremos capazes de pensar a respeito de algumas circunstâncias na vida de Cristo nas quais ele enfrentou tentações que, embora não tenham sido iguais em cada detalhe, foram muito similares às situações que enfrentamos cada dia.
4.Jesus poderia ter pecado? A pergunta por vezes proposta é: “Era possível Cristo ter pecado?”. Algumas pessoas argumentam pela impecabilidade de Cristo, com a palavra impecabilidade significando “incapacidade de pecar”. Outros contrapõem que, se Jesus não fosse capaz de pecar, suas tentações não poderiam ter sido reais, pois como pode a tentação ser real se a pessoa que é tentada não possui a capacidade de pecar?
Para responder a essa pergunta, devemos distinguir o que a Escritura claramente afirma, de um lado, e, de outro, o que se relaciona mais com especulação de nossa parte. 1) A Escritura afirma claramente que Cristo na verdade nunca pecou (v. acima). Não deveria haver dúvida alguma em nossa mente sobre esse fato. 2) A Escritura também afirma claramente que Jesus foi tentado e que essas tentações foram tentações reais (Lc 4.2). Se cremos na Escritura, devemos insistir em que Cristo, “como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado” (Hb 4.15). 3) Também devemos afirmar com a Escritura que “Deus não pode ser tentado pelo mal” (Tg 1.13). Mas aqui a questão se torna difícil: Se Jesus era plenamente Deus assim como plenamente homem (e vamos argumentar a seguir que a Escritura clara e repetidamente ensina isso), não devemos então afirmar que (em algum sentido) Jesus também “não poderia ser tentado pelo mal”?
Essas afirmações explícitas da Escritura apresentam-nos um dilema semelhante a outros dilemas doutrinários em que a Escritura parece ensinar coisas que são, se não diretamente contraditórias, ao menos muito difíceis de se encaixar em nosso entendimento. Nesse exemplo, realmente não temos uma contradição. A Escritura não nos diz que “Jesus foi tentado” e que “Jesus não foi tentado” (a contradição seria se “Jesus” e “tentado” fossem usados exatamente no mesmo sentido em ambas as frases).A Bíblia nos diz que “Jesus foi tentado”, que “era plenamente homem”, que “era plenamente Deus” e que “Deus não pode ser tentado”. Essa combinação de ensinos da Escritura deixa aberta a possibilidade de que, à medida que entendemos o modo pelo qual a natureza humana e a natureza divina de Jesus trabalham juntas, podemos entender um pouco mais sobre o modo pelo qual ele pôde ser tentado em um sentido e, todavia, em outro sentido, não pôde ser tentado. (Essa possibilidade será discutida mais adiante).
Neste momento, então, vamos além das afirmações claras da Escritura e tentamos sugerir uma solução para o problema se Cristo poderia ter pecado. Mas é importante reconhecer que a solução a seguir está mais ligada a métodos de combinação de vários ensinos bíblicos e não é apoiada diretamente por afirmações explícitas da Escritura. Com isso em mente, é adequado dizer o seguinte: 1) Se a natureza humana de Jesus tivesse existido par si mesma, independentemente de sua natureza divina, então ela teria sido uma natureza humana exatamente igual àquela que Deus deu a Adão e Eva. Ela estaria livre de pecar, mas, apesar disso, seria capaz de pecar. 2) Mas a natureza humana de Jesus nunca existiu separadamente da união com a natureza divina. Desde o momento de sua concepção, ele existiu como verdadeiramente Deus assim como verdadeiramente homem. Tanto sua natureza humana quanto sua natureza divina estavam unidas em uma pessoa. 3) Embora houvesse algumas coisas (como sentir fome, sede ou fraqueza) que Jesus experimentou somente em sua natureza humana, coisas que não foram experimentadas com sua natureza divina (v. a seguir), contudo pecar teria sido um ato moral que certamente envolveria a pessoa total de Cristo. Portanto, se ele houvesse pecado, teria havido o envolvimento das duas naturezas, divina e humana. 4) Mas se Jesus como pessoa houvesse pecado, envolvendo ambas as naturezas em pecado, então o próprio Deus teria pecado e teria cessado de ser Deus. Todavia, isso é claramente impossível por causa da santidade infinita da natureza de Deus. 5) Portanto, parece que, se perguntarmos sobre a real possibilidade de Jesus ter pecado, devemos concluir que não seria possível. A união de suas naturezas, divina e humana, em uma pessoa impediu que isso acontecesse.
Mas a questão ainda permanece: “Como poderiam então as tentações de Jesus ter sido reais?”. O exemplo da tentação de transformar as pedras e pães é útil nesse caso. Jesus tinha a capacidade, em virtude de sua natureza divina, de realizar tal milagre, mas, se ele o tivesse feito, não mais teria sido obediente a Deus Pai unicamente na força de sua natureza humana, mas teria falhado no teste em que Adão também falhou e não teria obtido a salvação para nós. Entretanto, Jesus recusou-se a contar com sua natureza divina para tornar a obediência mais fácil para ele. De igual modo, parece apropriado concluir que Jesus enfrentou cada tentação para pecar não por seu poder divino, mas unicamente na força de sua natureza humana (embora, naturalmente, seu lado humano não estivesse sozinho, porque Jesus, exercendo a espécie de fé que os seres humanos devem exercer, era perfeitamente dependente de Deus Pai e do Espírito Santo em cada momento).A força moral de sua natureza divina estava lá como uma espécie de “barreira” que evitava que ele pecasse (e, portanto, podemos dizer que não era possível ele pecar), mas ele não contou com a força de sua natureza divina para tornar mais fácil o processo de enfrentar as tentações, e sua recusa em transformar as pedras em pães no começo do seu ministério é uma indicação clara disso.
As tentações foram então reais? Muitos teólogos têm salientado que somente quem resiste vitoriosamente à tentação até o fim sente plenamente a força dessa tentação. Exatamente como um halterofilista campeão que levanta sobre a cabeça o haltere mais pesado no campeonato consegue sentir a força dele mais plenamente que quem tenta levantá-lo e não consegue, assim qualquer cristão que enfrentou vitoriosamente uma tentação até o fim sabe que isso é muito mais difícil que simplesmente desistir de uma vez. Foi isso que aconteceu com Jesus: cada tentação que ele enfrentou, permaneceu firme até o fim e triunfou sobre ela. As tentações foram reais, muito embora ele não tenha cedido a elas — de fato, elas foram muitíssimo reais porque ele não cedeu a elas.
5. Por que era necessária a plena humanidade de Jesus? Quando João escreveu sua primeira carta, um ensino herético estava circulando na igreja dizendo que Cristo não era um homem. Essa heresia ficou conhecida por docetismo, palavra que vem do verbo grego dokeō (“o que aparenta”, “o que parece ser”). Essa doutrina sustenta que Jesus não era realmente um homem, mas somente tinha a aparência de um homem. Essa negação da verdade sobre a humanidade de Jesus foi tão séria que João chegou a dizer que ela era uma doutrina do anticristo:
“Vocês podem reconhecer o Espírito de Deus deste modo: todo espírito que confessa que Jesus Crista veio em carne procede de Deus; mas todo espírito que não confessa Jesus não procede de Deus. Esse é o espírito do anticristo, acerca do qual vocês ouviram que está vindo, e agora já está no mundo” (lJo 4.2,3). O apóstolo João entendeu que a negação da verdadeira humanidade de Jesus era a negação de algo que representava o âmago do cristianismo, de forma que alguém que negasse que Jesus havia vindo em carne poderia ser considerado como não procedente de Deus.
À medida que percorremos o NT, podemos ver diversas razões pelas quais Jesus tinha de ser plenamente homem para exercer as suas funções messiânicas e merecer a nossa salvação. Duas das razões mais vitais são listadas a seguir:
A. Para exercer a obediência representativa. Como observamos no capítulo sobre o pecado, Adão serviu como nosso representante no jardim do Éden e, mediante sua desobediência, Deus considerou-nos culpados também. De modo semelhante, Jesus foi nosso representante e obedeceu por nós onde Adão havia desobedecido e falhado. Vemos isso no paralelo entre a tentação de Jesus (Lc 4.1-13) e o tempo do teste de Adão e Eva no jardim (Gn 2.15—3.7). Isso também se reflete claramente na discussão de Paulo do paralelo entre Adão e Cristo: “Conseqüentemente, assim como uma só transgressão resultou na condenação de todos os homens, assim também um só ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens. Logo, assim como por meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim também, por meio da obediência de um único homem muitos serão feitos justos” (Rm 5.18,19).
Essa é a razão pela qual Paulo denomina Cristo “o último Adão” (1 Co 15.45), e também chama Adão “o primeiro homem” e Cristo “o segundo homem” (lCo 15.47). Jesus tinha de ser um homem a fim de ser nosso representante e obedecer em nosso lugar.
B. Para oferecer o sacrifício substitutivo. Se Jesus não tivesse sido um homem, não poderia ter morrido em nosso lugar e não poderia ter pago a penalidade que nos era devida. O autor de Hebreus nos diz o seguinte: ”Pois é claro que não é a anjos que ele ajuda, mas aos descendentes de Abraão. Por essa razão era necessário que ele se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel com relação a Deus, e fazer propiciação pelos pecados do povo” (Hb 2.16,17; cf v.14). Jesus tinha de se tornar um homem, não um anjo, porque Deus estava preocupado com a salvação de homens, não de anjos. Mas, para fazer isso, “era necessário” que ele fosse feito igual a nós “em todos os aspectos”, para que pudesse “fazer propiciação” por nós, o sacrifício que é a substituição aceitável a nosso favor. A menos que Cristo fosse plenamente homem, ele não poderia ter morrido para pagar a penalidade dos pecados do homem, nem poderia ter realizado a sacrifício substitutivo por nós.
Há também outras razões para a necessidade da humanidade de Jesus. Jesus tinha de ser plenamente homem e plenamente Deus para cumprir o papel de mediador entre Deus e o homem (cf. lTm 2.5). O fato de que Jesus foi um homem e experimentou tentações capacitou-o a simpatizar mais plenamente conosco como nosso “sumo sacerdote” (Hb 2.18; cf. 4.15).A humanidade de Jesus proporciona exemplo e padrão para nossa vida (cf. lJo 2.6; lPe 2.21). Todas essas razões ressaltam a importância vital de afirmar que Jesus não era apenas plenamente Deus, mas também era plenamente homem e, assim, tornou-se capaz de assegurar plenamente nossa salvação.

B. A divindade de Cristo
Para completar o ensino bíblico sobre Jesus Cristo, devemos afirmar não somente que ele era plenamente homem, mas também que era plenamente divino. Embora a palavra não ocorra explicitamente na Escritura, a igreja tem usado o termo encarnação para referir-se ao fato de que Jesus era Deus vindo em carne. A encarnação foi o ato de Deus Filho pelo qual ele assumiu para si a natureza humana. A prova escriturística da divindade de Cristo é bastante ampla no NT. Nós a examinaremos sob diversas categorias.
1. Declarações diretas da Escritura. Nesta seção vamos examinar as afirmações diretas da Escritura de que Jesus é Deus ou de que ele é divino.

A. A Palavra Deus (theos) usada com relação a Cristo. Embora a palavra theos, “Deus”, seja regularmente reservada no NT para Deus Pai, há no entanto diversas passagens em que ela é usada também para referir-se a Jesus Cristo. Em todas essas passagens a palavra “Deus” é usada em um sentido forte para referir-se àquele que é criador do céu e da terra, o governante sobre todas as coisas. Essas passagens incluem João 1.1; 1.18 (nos melhores e mais antigos manuscritos) ; 20.28; Romanos 9.5; Tito 2.13; Hebreus 1.8 (citando Sl 45.6); e 2Pedro 1.1. Como algumas passagens já foram discutidas em detalhes no capítulo sobre a Trindade, a discussão não será repetida aqui. É suficiente observar que há ao menos sete passagens claras no NT que se referem explicitamente a Jesus como Deus.
Um exemplo do AT do nome Deus aplicado a Cristo é visto em uma passagem messiânica que nos é muito familiar: “Porque um menino nos nasceu, um filho nas foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso...” (Is 9.6).

B. A palavra Senhor (kyrios) usada com relação a Cristo. Às vezes a palavra Senhor (gr., kyrios) é usada simplesmente como referência polida a um superior, que se aproxima do nosso tratamento respeitoso a uma pessoa mais velha ou em posição superior à nossa (v. Mt 13.27; 21.30; 27.63; Jo 4.11). Em outras ocasiões essa palavra pode significar simplesmente o “senhor” de um servo ou escravo (Mt 6.24; 2 1.40). Todavia, a mesma palavra é também usada na Septuaginta (a tradução grega do AT, que era regularmente usada no tempo de Cristo) como uma tradução da palavra hebraica YHWH’, Iavé, ou “o SENHOR” (como é muitas vezes traduzida em muitas versões).A palavra kyrios é usada para traduzir o nome de Deus 6.814 vezes na versão grega do AT. Portanto, qualquer leitor de fala grega no tempo do NT que possuísse algum conhecimento de AT em grego teria reconhecido que, nos contextos onde fosse apropriado, a palavra Senhor era o nome do criador e sustentador dos céus e da terra, o Deus onipotente.
Há muitos exemplos no NT em que a palavra “Senhor” em referência a Cristo pode ser entendida como possuindo o sentido forte que o AT lhe empresta, “o SENHOR”, que é lave ou o próprio Deus. Esse uso da palavra “Senhor” é muito impressionante na afirmação do anjo aos pastares de Belém: “Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.11). Embora essas palavras nos sejam familiares pelo uso freqüente que fazemos delas no período do Natal, devemos perceber quão surpreendentes elas foram para o judeu do século I que as ouviu: um bebê sendo chamado “o Cristo” (ou “Messias”) e, além disso, esse Messias sendo também “o Senhor” — isto é, o próprio Senhor Deus!
Vemos outro exemplo quando Mateus diz que João Batista é quem clama no deserto: “Preparem o caminho para o Senhor, façam veredas retas para ele” (Mt 3.3). João está citando Isaías 40.3, que fala a respeito do próprio Senhor Deus manifesto entre seu povo. Mas o contexto aplica essa passagem ao papel de João de preparar o caminho para a chegada de Jesus. A conclusão é que, quando Jesus viesse, seria o próprio Senhor quem viria.
Jesus também identifica-se como o Senhor soberano do AT quando pergunta aos fariseus, sobre Salmos 110.1: “‘O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo de teus pés”’(Mt 22.44). A força dessa afirmação é que “Deus Pai disse a Deus Filho (o Senhor de Davi): ‘Senta-te à minha direita...”’. Os fariseus sabiam que ele estava falando a respeito de si próprio e identificando- se como alguém digno do título Kyrios (“Senhor”), muito próprio do AT.
Tal uso é muitas vezes visto nas Cartas, onde “o Senhor” é o nome comum para se referir a Cristo. Paulo diz: “para nós, porém, há um único Deus, o Pai, de quem vêm todas as coisas e para quem vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, por meio de quem vieram todas as coisas e por meio de quem vivemos” (lCo 8.6; cf. 12.3, e muitas outras passagens tanto nas cartas de Paulo como nas gerais).
C. Outras declarações fortes da divindade de Cristo. Além do uso das palavras Deus e Senhor para se referir a Cristo, temos outras passagens que declaram fortemente a divindade de Cristo. Quando Jesus disse aos seus oponentes judeus que Abraão tinha visto o seu (de Cristo) dia, eles o desafiaram dizendo: “Você ainda não tem cinqüenta anos, e via Abraão?” (Jo 8.57). Aqui a resposta suficiente para provar a eternidade de Jesus teria sido: “Antes de Abraão existir, eu já existia”. Mas Jesus não disse isso. Ao contrário, ele fez uma afirmação ainda mais surpreendente: “Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou!” (Jo 8.58). Jesus combinou duas asserções cuja seqüência parecia não fazer sentido: “Antes de alguma coisa ter acontecido no passado [Abraão era], alguma coisa no presente acontecia [Eu Sou]”. Os líderes judeus reconheceram de uma vez por todas que ele não estava falando por enigmas nem estava fazendo qualquer pronunciamento sem sentido. Quando ele disse “Eu Sou”, estava repetindo as verdadeiras palavras que Deus usou quando se identificou diante de Moisés como “Eu Sou o que Sou” (Ex 3.14). Jesus estava requerendo para si próprio o título “Eu Sou”, pelo qual Deus se autodesignou o eterno auto-existente, o Deus que é a fonte da própria existência e que sempre tem sido e sempre será. Quando os judeus ouviram essa afirmação incomum, enfática e solene, sabiam que Jesus estava afirmando ser Deus. “Então eles apanharam pedras para apedrejá-lo, mas Jesus escondeu-se e saiu do templo” (Jo 8.59).
Outra declaração vigorosa da divindade de Jesus é sua afirmação no final do Apocalipse: “Eu sou o Alfa e o Ômega,o Primeiro e o Ultimo, o Princípio e o Fim” (Ap 22.13).Quando combinada com a afirmação de Deus Pai em Apocalipse 1.8 (“Eu sou o Alfa e o Ômega”), ela também constitui forte declaração para mostrar divindade igual à de Deus Pai. Soberano sobre a totalidade da história e sobre toda a criação, Jesus é o Princípio e o Fim.
Evidência adicional de afirmações da divindade pode ser encontrada no fato de que Jesus chama a si mesmo de “o Filho do homem”. Esse título é usado 84 vezes nos quatro evangelhos, mas somente por Jesus e somente para falar de si próprio (observe. Mt 16.13 com Lc 9.18). No restante do NT, a expressão “o Filho do homem” (com o artigo definido “o”) é usada somente uma vez, em Atos 7.56, quando Estevão se refere a Cristo como “o Filho do homem”. Esse termo singular tem seu pano de fundo na visão de Daniel 7, quando Daniel viu alguém semelhante a um “filho de homem” que “se aproximou do ancião” [“Ancião de Dias’, RA] e a quem foram dados “autoridade, glória e o reino; todos os povos, nações e homens de todas as línguas o adoraram. Seu domínio é um domínio eterno que não acabará, e seu reino jamais será destruído” (Dn 7.13,14). É admirável que esse “filho do homem” tenha vindo “com as nuvens dos céus” (Dn 7.13). Essa passagem fala claramente de alguém que possuía origem celestial e a quem foi dado domínio eterno sobre todos os povos. O sumo sacerdote entendeu muito bem quando Jesus disse: “Chegará o dia em que vereis o Filho do homem assentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (Mt 26.64). A referência a Daniel 7.13,14 é inconfundível, e o sumo sacerdote e seus companheiros sabiam que Jesus estava afirmando ser o eterno governante do inundo, de origem celestial, referido na visão de Daniel. Imediatamente eles disseram: “‘Blasfemou! [...] O que acham?”É réu de morte!’, responderam eles” (Mt 26.65,66). Aqui Jesus finalmente tornou explícita sua forte alegação de ser o eterno governante do mundo que ficara anteriormente subentendida pelo freqüente uso do título “o Filho do homem” aplicado a si próprio.
Embora o título “Filho de Deus” possa algumas vezes ser usado simplesmente para referir-se a Israel (Mt 2.15), ou ao homem criado por Deus (Lc 2.38), ou ao homem redimido em geral (Rm 8.14,19,23), há todavia exemplos em que a expressão “Filho de Deus” se refere a Jesus como o Filho eterno e celestial que é igual ao próprio Deus (v. Mt 11.25-30; 17.5; lCo 15.28; Hb 1.1-3,5,8). Isso é especialmente verdadeiro no evangelho de João, no qual Jesus é visto como Filho singular do Pai (Jo 1.14,18,34,49) que revela plenamente o Pai (Jo 8.19; 14.9). Como Filho ele é tão grande que podemos confiar nele para a vida eterna (algo que não poderia ser dito de nenhum ser criado: Jo 3.16,36: 20.3 1). Ele é também quem tem toda a autoridade do Pai para dar vida, pronunciar julgamento eterno e governar sobre tudo (Jo 3.36; 5.20-22,25; 10.17; 16.15). Como Filho ele foi enviado pelo Pai e, portanto, existia desde antes de vir ao mundo (Jo 3.37; 5.23; 10.36).
Essas passagens combinam-se para indicar que o título “Filho de Deus” quando aplicado a Cristo afirma fortemente sua divindade como o Filho eterno na Trindade, igual a Deus Pai em todos os atributos.
2. Evidência de que Jesus possuía atributos da divindade. Somando-se à afirmação específica da divindade de Jesus observada nas diversas passagens citadas anteriormente, vemos muitos exemplos das ações de Jesus no tempo em que viveu entre nós que demonstram seu caráter divino.
a) Jesus demonstrou sua onipotência quando acalmou a tempestade no mar com apenas uma ordem (Mt 8.26,27), multiplicou pães e peixes (Mt 14.19) e transformou água em vinho (Jo 2.1-11).
b) Jesus declarou sua eternidade quando disse: “Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou!” (Jo 8.58,v. discussão anterior), ou quando disse: “Eu sou o Alfa e o Ômega” (Ap 22.13).
c) A onisciência de Jesus é demonstrada pelo conhecimento do pensamento das pessoas (Mc 2.8) e por saber “desde o princípio quais deles não criam e quem o iria trair” (Jo 6.64). O conhecimento de Jesus era muito mais amplo que a revelação de informação que as pessoas poderiam receber por meio do ofício profético, porque ele mesmo conhecia a crença e a descrença que estava no coração de todas as pessoas (v. Jo 2.25; 16.30).
d) O atributo da onipresença divina de Jesus não é afirmado diretamente durante seu ministério terreno. Contudo, enquanto olhava para o tempo em que a igreja seria estabelecida, Jesus pôde dizer: “Pois onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles” (Mt 18.20). Além disso, antes de deixar este mundo, ele disse aos seus discípulos: “E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28.20).
e) A soberania divina, espécie de autoridade possuída por Deus somente, é vista no fato de que ele podia perdoar pecados (Mc 2.5-7). Diferentemente dos profetas do AT que declararam:
“Assim diz O SENHOR”, ele pôde prefaciar suas afirmações com a frase “Mas eu lhes digo” (Mt 5.22,28,32,34, 39,44) – alegação espantosa de sua autoridade. Ele pôde falar com autoridade do próprio Deus porque ele era plenamente Deus.
f) Outra afirmação clara da divindade de Crista é o fato de ser contado digna de adoração, algo que não pertence a nenhuma outra criatura, incluindo anjos (v. Ap 19.10), mas somente a Deus. Todavia, a Escritura diz de Cristo que “Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” (Fp 2.9-11). Semelhantemente, Deus ordena aos anjos que adorem Cristo, pois lemos: “E ainda, quando Deus introduz o Primogênito no mundo, diz: ‘Todas os anjos de Deus o adorem”’ (Hb 1.6).
3. Jesus abriu mão de alguns de seus atributos divinos enquanto viveu neste mundo (a teoria da kenosis)? Paulo escreve aos filipenses: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus ra algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens” (Fp 2.5-7). Começando por esse texto, diversos teólogos do século XIX advogaram uma idéia inesperada da encarnação chamada “teoria da kenosis”, que sustenta que Cristo abriu mão de alguns de seus atributos divinos enquanto esteve neste mundo como homem. (A palavra kenosis é emprestada do verbo grego kenoō, que geralmente significa “esvaziar”, e é traduzido por “esvaziou-se” em Fp 2.7.) Segundo essa teoria, Cristo “esvaziou-se” de alguns de seus atributos divinos como onisciência, onipresença e onipotência enquanto esteve sobre a terra como homem. Isso foi visto como a autolimitação voluntária da parte de Cristo, que ele assumiu a fim de realizar a obra de redenção.
Apos o exame mais preciso, podemos ver que Filipenses 2.7 não diz que Cristo “esvaziou-se de alguns poderes” ou que “esvaziou-se de atributos divinos”, ou coisa parecida. Antes o texto descreve o que Jesus fez nesse “esvaziamento”. Ele não se esvaziou por abrir mão de qualquer de seus atributos, mas por vir “a ser servo”, isto é, por passar a viver como homem e, a ser “encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, morte de cruz!” (Fp 2.8). Assim, o contexto interpreta o “esvaziamento” como equivalente a “humilhou-se a si mesmo”, assumindo uma posição ou condição mais baixa. O esvaziamento inclui o papel e a posição, não os atributos essenciais ou a natureza. Isso significa que ele assumiu uma condição humilde.
O contexto mais amplo dessa passagem também torna essa interpretação clara. O propósito de Paulo era o de persuadir os filipenses de que eles não deveriam fazer nada “por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos” (Fp 2.3), e continua lhes dizendo: “Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (Fp 2.4). Para persuadi-los a ser humildes e a colocar os interesses dos outros em primeiro lugar, Paulo, então, aponta para Cristo como exemplo supremo de alguém que fez exatamente isso: ele colocou os interesses dos outros primeiro e desejou abrir mão de alguns privilégios e posição que eram seus como Deus. Paulo quer que os filipenses imitem Cristo. Mas certamente não está pedindo aos cristãos filipenses para “abrirem mão” ou “colocarem de lado” quaisquer de suas capacidades ou atributos que lhes eram essenciais! Ele não lhes pede que abrissem mão de sua inteligência ou força ou capacidade e que se tornassem uma versão diminuída do que realmente eram. Ao contrário, ele lhes pediu para colocar os interesses dos outros em primeiro lugar: ‘Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (Fp 2.4).
Portanto, o melhor entendimento desta passagem é que ela fala a respeito de Jesus abrindo mão da posição e do privilegio que foram seus no céu: Ele, “embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era sigo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo” ou “humilhou-se”, e veio viver como homem. Jesus fala em outra passagem da “glória” que tinha como Pai “antes que o mundo existi-se” (Jo 17.5), glória da qual abriu mão e que haveria de receber de volta quando retornasse ao céu. E Paulo podia falar de Cristo que, “sendo rico, se fez pobre por amor de vocês” (2Co 8.9), discorrendo uma vez mais sobre o privilégio e honra que merecia, porém dos quais temporariamente abriu mão por nós.
A “teoria da kenosis”, portanto, não é o entendimento correto de Filipenses 2.5-7. De fato, se a teoria da kenosis fosse verdadeira (e essa é a objeção fundamental contra ela), então não mais poderíamos afirmar que Jesus tenha sido plenamente Deus enquanto esteve aqui neste mundo.A teoria da kenosis definitivamente nega a plena divindade de Jesus Cristo e o faz algo menos que plenamente Deus.

4. Conclusão: Cristo é plenamente divino. O NT afirma continuamente a plena e absoluta divindade de Jesus Cristo. Ele faz isso em centenas de versículos explícitos que chamam Jesus “Deus”, ”Senhor” e “Filho de Deus”, assim como em muitos versículos que usam outros títulos da divindade para referir-se a ele e em uma série de passagens que lhe atribuem ações ou palavras que poderiam ser verdadeiras a respeito de Deus.”Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude” (Cl 1.19). “Pois em Crista habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9). Em uma seção anterior argumentamos que Jesus é verdadeira e plenamente homem. Agora concluímos que é também verdadeira e plenamente Deus. Ele é chamado corretamente “Emanuel”, isto é, “Deus conosco” (Mt 1.23).
5. Por que a divindade de Jesus era necessária? Na seção anterior, listamos diversas razões por que foi necessário Jesus ser plenamente homem a fim de obter a nossa redenção. Aqui é conveniente reconhecer que é crucialmente importante insistir também na plena divindade de Cristo, não apenas porque ela é claramente ensinada na Escritura, mas também porque: 1) somente o Deus infinito poderia suportar a plena penalidade de todos os pecados dos que haveriam de crer nele — qualquer criatura finita teria sido incapaz de suportar tal penalidade; 2) a salvação é do Senhor (Jn 2.9), e a mensagem total da Escritura tem o propósito de mostrar que nenhum ser humano nem nenhuma criatura poderia salvar o homem — somente o próprio Deus; e 3) somente quem fosse plena e verdadeiramente Deus poderia ser o único mediador entre Deus e o homem (lTm 2.5), tanto para trazer-nos de volta a Deus como para revelar-nos Deus mais completamente (Jo 14.9).
Assim, se Jesus não é plenamente Deus, não temos salvação e definitivamente nenhum cristianismo. Não é por acaso que no decorrer da história os grupos que abriram mão da crença na plena divindade de Cristo não permaneceram dentro da fé cristã, mas logo se apartaram para urna espécie de religião representada pela unitarismo nos Estados Unidos e em outras lugares. “‘Fado o que nega o Filho também não tem o Pai” (lJo 2.23).”Todo aquele que não permanece no ensino de Cristo, mas vai além dele, não tem Deus; quem permanece no ensino tema Pai e também o Filho” (2Jo 9).
C. A encarnação: divindade e humanidade na pessoa única de Cristo
O ensina bíblico a respeito da plena divindade e plena humanidade de Crista é tão amplo que ambas têm sido aceitas desde os tempos mais antigos da história da igreja. Mas o entendimento exato de como a plena divindade e plena humanidade poderiam ser combinadas em uma só pessoa foi formulado gradualmente na igreja e não alcançou a forma final senão na Definição de Calcedónia, em 451 d.C. Antes desse período, diversas posições inadequadas da pessoa de Cristo foram propostas e a seguir rejeitadas. Uma dessas visões, o arianismo, que sustentava que Jesus não era plenamente divino, foi discutida anteriormente no capítulo sobre a doutrina da Trindade. Mas três outras idéias que foram finalmente rejeitadas como heréticas devem ser mencionadas neste momento.

1. Três idéias inadequadas da pessoa de Cristo.
a. Apolinarismo.
Apolinário, que tornou-se bispo de Laodicéia por volta de 361 d.C., ensinou que a pessoa única de Cristo possuía um corpo humano, mas não uma mente humana ou espírito humano, e que a mente e o espírito de Cristo provinham da natureza divina do Filho de Deus.
Mas as idéias de Apolinário foram rejeitadas pelos líderes da igreja naquela época, que perceberam que não era somente o corpo humano que necessitava de salvação e de ser representado por Cristo na obra redentora, mas também a mente e o espírito (ou alma) humanos: Cristo tinha de ser plena e verdadeiramente homem se ele fosse nos salvar (He 2.17). O apolinarismo foi rejeitado por diversos concílios eclesiásticos, desde o Concílio de Alexandria em 362 d.C. ao Concílio de Constantinopla em 381 d.C.
b. Nestorianismo.
O nestorianismo é a doutrina que ensinava a existência de duas pessoas separadas em Cristo, uma humana e uma divina, ensino distinto da visão bíblica de que Jesus era somente uma pessoa.
Nestório era um pregador popular em Antioquia que em 428 dC. tornou-se bispo de Constantinopla. Embora o próprio Nestório provavelmente nunca tenha ensinado essa posição herética que leva o seu nome (a idéia de que Cristo era duas pessoas em um corpo, e não uma só pessoa), por causa de uma combinação de diversos conflitos pessoais e de boa dose de política eclesiástica, ele foi deposto do seu ofício de bispo e seus ensinos foram condenados.
É importante entender por que a igreja não pode aceitar a idéia de que em Cristo havia duas pessoas distintas. Em nenhum lugar da Escritura existe a indicação real de que a natureza humana de Cristo, por exemplo, é uma pessoa independente, decidindo fazer algo contrário à natureza divina de Cristo. Em nenhum lugar temos a indicação das naturezas humana e divina conversando uma com a outra, ou travando luta dentro de Cristo, ou fazendo outra coisa qualquer. Ao contrário, temos o quadro coerente de uma única pessoa agindo em sua totalidade e unidade. Jesus sempre fala como eu não como nós, embora possa referir-se a si mesmo e ao Pai como “nós” (Jo 14.23).A Bíblia sempre fala de Jesus como “ele”, não como “eles”. E, embora passamos algumas vezes distinguir ações de sua natureza divina e ações de sua natureza humana a fim de ajudar-nos a entender algumas das afirmações e ações registradas na Escritura, a Bíblia não diz que “por meio da natureza humana Jesus fez isto” ou que “por meio de sua natureza divina Jesus fez aquilo”, como se fossem duas pessoas separadas, mas sempre fala a respeito do que a pessoa de Cristo fez. Portanto, a igreja continuou a insistir no fato de que Jesus era uma só pessoa, embora possuísse tanto a natureza humana quanto a natureza divina.
c. Monofisismo (eutiquismo) .
A terceira idéia inadequada de Cristo é chamada monofisismo, a idéia de que Cristo possuía uma só natureza (gr., monos,”uma”, e physis,”natureza”). O primeiro defensor dessa idéia na igreja primitiva foi Êutico (378-454 d.C.), que era o líder de um monastério em Constantinopla. Êutico ensinava um erro aposto ao do nestorianismo, pois negava que a natureza humana e a natureza divina em Cristo tivessem permanecido plenamente humana e plenamente divina. Ele sustentava, antes, que a natureza humana de Cristo foi tomada e absorvida pela natureza divina, de modo que ambas as naturezas foram mudadas em algum grau, resultando em uma espécie de terceira natureza. Uma analogia ao eutiquismo pode ser vista se pingamos uma gota de tinta em um copo de água. A mistura resultante não é nem pura tinta nem pura água, mas uma espécie de terceira substância, a mistura das duas na qual tanto a tinta como a água são mudadas. Semelhantemente, Êutico ensinava que Jesus era a mistura de elementos divinos e humanos na qual ambas as naturezas foram em algum sentido modificadas para formar uma nova natureza.
O monofisismo também causou grande preocupação na igreja, porque, segundo essa doutrina, Cristo não era nem verdadeiramente Deus nem verdadeiramente homem. Assim, ele não poderia verdadeiramente representar- nos como homem nem poderia ser verdadeiro Deus e capaz de obter nossa salvação.
2. A solução para a controvérsia. A Definição de Calcedônia em 451 d.C.
A fim de tentar resolver os problemas levantados pelas controvérsias sobre a pessoa de Cristo, um grande concilio eclesiástico foi convocado para se reunir na cidade de Calcedônia, próxima de Constantinopla (ou a moderna Istambul), de 8 de outubro a 10 de novembro, em 451 d.C. A afirmação resultante, chamada Definição de Calcedônia, posicionou-se contra o apolinarismo, o nestorianismo e o eutiquismo. Ela é considerada a definição padrão da ortodoxia do ensino bíblico sobre a pessoa de Cristo desde aquela época por todos os grandes ramos do cristianismo: o catolicismo, o protestantismo e a ortodoxia oriental.
A afirmação não é longa, e podemos citá-la em sua totalidade:
[Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade e perfeito quanto à humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, constando de alma racional e de corpo; consubstancial [homoousios] ao Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade; “em todas as coisas semelhante a nós, excetuando o pecado”, gerado, segundo a divindade, antes dos séculos pelo Pai e, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da Virgem Maria, mãe de Deus [TheotóKos] . Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, conseparáveis e indivisíveis. A distinção de naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar uma só pessoa e subsistência (hypostasis) ; não dividido ou separado em duas pessoas, mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor, conforme os profetas outrora a seu respeito testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo nos ensinou e o credo dos padres nos transmitiu.]
Contra o pensamento de Apolinário de que Cristo não teve uma mente humana ou alma, temos a afirmação de que ele era “verdadeiramente homem, constando de uma alma racional e de corpo [...] consubstancial a nós, segundo a humanidade; em todas as coisas semelhante a nós...”.
Em oposição ao pensamento do nestorianismo de que Cristo era duas pessoas unidas em um corpo, temos as palavras “inconfundíveis e imutáveis.., concorrendo para formar uma só pessoa e subsistência (hypostasis) ; não dividido ou separado em duas pessoas”.
Contra o pensamento do eutiquismo de que Cristo tinha somente uma natureza e que sua natureza humana perdeu-se na união com a natureza divina, temos as palavras “em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, conseparáveis e indivisíveis. A distinção de naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades de cada natureza permanecem intactas”. As naturezas divina e humana não foram alteradas quando Cristo se tornou homem, mas a natureza humana permaneceu verdadeiramente humana, e a natureza divina permaneceu verdadeiramente divina.

3. Combinação de textos específicos sobre a divindade e a humanidade de Cristo. Quando examinamos o NT, como fizemos anteriormente nas seções sabre a humanidade e a divindade de Cristo, há diversas passagens que parecem difíceis de harmonizar. (Como poderia Jesus ser onipotente e, todavia, fraca? Coma poderia deixar o mundo e, ainda assim, estar presente em toda a parte? Como poderia aprender coisas e, no entanto, ser onisciente?) À medida que a igreja lutava para entender esses ensinos, finalmente apareceu a Definição de Calcedônia, que falava das duas naturezas distintas em Cristo que retêm sua propriedades características e que, todavia, permanecem juntas em uma só pessoa. Essa distinção, que nos ajuda em nosso entendimento das passagens bíblicas mencionadas anteriormente, também parece ser exigida por essas passagens.

a.  Uma natureza faz algumas coisas que a outra natureza não faz. Se quisermos afirmar a Definição de Calcedônia a respeito das “propriedades de cada natureza permanecendo intactas” na pessoa de Cristo, é necessário distinguir entre as coisas feitas pela natureza humana de Cristo, mas não pela natureza divina, ou por natureza divina, mas não por sua natureza humana.
Por exemplo, quando falamos a respeito da natureza humana de Jesus, podemos dizer que ele ascendeu ao céu e não mais está no mundo (Jo 16.28; 17.11; At 1.9-11). Mas, com respeito à sua natureza divina, podemos dizer que Jesus está presente em toda parte: “Pois ande se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles” (Mt 18.20). “E eu estarei sempre com vocês, até afim dos tempos” (Mt 28.20).”Se alguém me ama, obedecerá à minha palavra. Meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos morada nele” (Jo 14.23). Assim, podemos dizer que ambas as coisas são verdadeiras a respeito da pessoa de Cristo — ele retornou ao céu e esta presente conosco.
Semelhantemente, podemos dizer que Jesus tinha 30 anos de idade (Lc 3.23) se falamos de sua natureza humana, mas que ele existia eternamente (Jo 1.1,2; 8.58) se estamos falando de sua natureza divina.
Segundo a natureza humana Jesus era fraco e se cansava (Mt .1.2; 8.24; Mc 15.2 1; Jo 4.6), mas em sua natureza divina ele era onipotente (Mt 8.26,27; Cl 1.17; H 1.3). Particularmente notável e a cena do mar da Galiléia, quando Jesus estava dormindo na popa do barco, presumivelmente porque estava cansada (Mt 8.24). Mas acordou do seu sono e acalmou o vento e o mar apenas com uma palavra (Mt 8.26,27)! Cansado e, todavia, onipotente! Aqui a fraqueza da natureza humana de Jesus encobriu completamente sua onipotência até que a onipotência surgiu com a palavra soberana de quem é Senhor do céu e da terra.
De modo semelhante, podemos entender que, em sua natureza humana, Jesus morreu (Lc 23.46; lCo 15.3). Já com respeito à natureza divina, ele mio morreu, mas era capaz de ressurgir dos mortos (Jo 2.19; 10.17,18; Hb 7.16). Todavia, aqui devemos fazer uma observação cautelosa: é verdade que, quando Jesus morreu, o seu corpo físico morreu e sua alma humana (ou espírito) foi separada do corpo, indo para a presença de Deus Pai no céu (Lc 23.43,46). Desse modo ele experimentou a morte que é igual àquela que nós, como crentes, experimentaremos se morrermos antes de Cristo retornar. Não é correto dizer que a natureza humana de Jesus morreu, ou que poderia morrer, se “morrer” significa a cessação de atividade, a cessação de consciência ou a diminuição de poder. Não obstante, em virtude união com a natureza humana, a natureza divina de Jesus de certa forma provou alguma coisa que acontece quando se morre. A pessoa de Cristo experimentou a morte. Alem do mais, parece difícil entender como a natureza humana de Jesus poderia sozinha ter suportado a ira de Deus por causa dos pecados de milhões de pessoas. Parece que a natureza divina de Jesus teve alguma participação em suportar a ira divina contra o pecado que era devido a nós (embora a Escritura em nenhum lugar afirme explicitamente isso). Portanto muito embora a natureza divina de Cristo não tenha realmente morrido, Jesus atravessou a experiência da morte como uma pessoa total, e tanto a natureza humana como a divina de algum modo partilharam dessa experiência. Além disto, a Escritura não nos capacita a dizer mais nada.
A distinção entre as naturezas divina e humana de Jesus também nos ajuda a entender as tentações de Jesus. Com respeito à natureza humana, ele certamente foi tentado de cada forma, como nós somos, todavia sem pecado (Hb 4.15). Com respeito à natureza divina, contudo, ele não foi tentado, parque Deus não pode ser tentado pela mal (Tg 1.13).
b. Qualquer coisa que uma natureza venha a fazer, é a pessoa de Cristo que faz. Na seção anterior, mencionei uma série de coisas que foram feitas por uma natureza, mas não pela outra, na pessoa de Cristo. Agora devemos afirmar que qualquer coisa que seja verdadeira sobre a natureza divina ou sobre a natureza humana é verdadeira sobre a pessoa de Cristo. Assim, Jesus disse: “antes de Abraão nascer, Eu Sou” (Jo 8.58). Ele não disse: “Antes de Abraão nascer, minha natureza divina já existia”, porque ele é livre para falar a respeito de qualquer coisa feita unicamente pela natureza divina ou unicamente pela natureza humana como algo que ele (a pessoa) fez.
Na esfera humana, isso certamente também se aplica ao nosso discurso. Se eu escrevo uma carta, mesmo que meus pés e artelhos não tenham nada que ver com o ato de escrevê-la, não posso dizer às pessoas: “Meus dedos digitaram essa carta no computador, e meus artelhos não tiveram nada que ver com ela” (embora isso seja verdade). Antes, digo às pessoas: “Eu digitei uma carta”. Isso é verdac eira porque qualquer coisa que é feita por uma parte de mim é feita por mim.
Assim, ”Cristo morreu pelos nossos pecados” (1 Co 15.3). Embora realmente somente seu corpo humano tenha cessado de viver e de funcionar, no entanto foi a pessoa de Cristo que morreu pelo nosso pecado. Esse é simplesmente um meio de afirmar que qualquer coisa que possa ser dito de uma natureza ou de outra pode ser dito da pessoa de Cristo.
Portanto, é correto Jesus dizer: “agora deixo o mundo” (Jo 16.28) ou “não ficarei mais no mundo” (Jo 17.11), mas o mesmo tempo dizer: “E eu estarei sempre com vocês” (Mt 28.20).
Qualquer coisa feita por uma natureza ou outra é feita pela pessoa de Cristo.

c. Conclusão. No final desta longa discussão, pode ser fácil perdermos de vista a que é realmente ensinado na Escritura: o mais impressionante milagre de toda a Bíblia — mais espantoso que a ressurreição, e mesmo mais espantoso que a criação do universo, O fato de que o Filho de Deus infinito, onipotente e eterno tornou-se homem e juntou-se à natureza humana para sempre, de modo que o Deus infinito se tornou uma pessoa com a natureza finita do homem, permanecerá pela eternidade o mais profundo milagre e o mistério mais impenetrável de todo o universo.
Autor: Wayne Grudem