domingo, 15 de setembro de 2013

Autoridade e Suficiência das Escrituras – Origem, Testemunho e nossa prática.

Um dos princípios sustentado pela Reforma Protestante do Século 16 foi a afirmação da suficiência das Escrituras (Sola Scriptura significa Somente as Escrituras, em latim). Com isso, os Reformadores enfatizaram que somente a Bíblia é a única autoridade infalível dentro da Igreja: Somente as Escrituras são incondicionalmente autoritativas.
 
Um dos problemas fundamentais entre os cristãos do século 20/21, está na não aceitação teórica (confessional) e prática (vivencial) da Bíblia como Palavra autoritativa, inerrante e infalível de Deus. Uma visão relapsa deste ponto determina o fracasso teológico e espiritual da Igreja.
 
 Este desvio teológico, acerca destas doutrinas, tem contribuído de forma acentuada, para que os homens não mãos discirnam a palavra de Deus e, por isso, não possam gozar da sua operação eficaz levada a efeito pelo Espírito (Cf. 1Ts 2.13 compare com Jo17.17), caindo assim, na “rampa escorregadia” da negação de outras doutrinas. Vejamos, então, alguns aspectos concernentes à autoridade das Escrituras.
 
1. A Suficiência das Escrituras: Sua Origem
 
Deus é o Autor da Escrituras. Mesmo a Bíblia sendo registrada por homens, falando do pecado do homem, descrevendo a desobediência circunstancial de seus autores secundários, ela é prioritariamente um livro divino.
 
Paulo diz que “toda Escritura é inspirada por Deus” (2 Tm 3.16), indicando a sua procedência: toda a Escritura Sarada é soprada, exalada por Deus. Esta Palavra não foi apenas entregue aos homens, mas foi preservada por Deus; Deus preservou ao seu registro e quanto à sua conservação.
  
Warfield (1851-1921), comentando o texto de 2 Timóteo 3.16, diz: “Numa palavra, o que se declara nesta passagem fundamental é, simplesmente, que as Escrituras são um produto divino, sem qualquer indicação da maneira como Deus operou para as produzir. Não se poderia escolher nenhuma outra expressão  que afirmasse, com maior saliência, a produção divina das Escrituras, como esta o faz. 9.(...) Paulo (...) afirma com toda a energia possível, que as Escrituras são o produto de uma operação especificamente divina.”¹
  
Com isto, estamos dizendo que o Deus que se revelou, esteve “expirando” os homens que ele mesmo separou para registrarem esta revelação. A inspiração bíblica garante que seja registrado de forma veraz aquilo que a inspiração profética fazia com respeito à palavra do profeta, para que ela correspondesse literalmente À mente de Deus; em outras palavras: a Palavra escrita é tão fidedigna quando a Palavra falada pelos profetas; ambas foram inspiradas por Deus.
 
2. A Suficiência do Testemunho das Escrituras
 
A Bíblia autentica-se a si mesma como o registro inspirado e inerrante da revelação de Deus. Deus ordenou que a sua palavra fosse escrita (Ex 17.14), sendo chamado este registro de “Livro do Senhor” (Is 34.16). Analisemos este ponto substanciando-o com alguns dos muitos textos bíblicos que fundamentam a nossa afirmação:
 
A. Os Profetas
 
1) Os profetas são descritos como aqueles dos quais Deus fala (Ex 7.1; Dt 18.15,18; Jr 1.9; 7.1). O Profeta não criava nem adaptava a mensagem; a ele competia transmiti-la como havia recebido (Ex 4.30; Dt 4.2,5). O que se exige do Profeta é fidelidade.
 
2)Os Profetas tinham consciência de que foram chamados por Deus (1 Sm 3; Is 6; Jr 1; Ez 1-3); receberam a mensagem da parte de Deus (Nm 23.5; Dt 18.18; Jr 1.9; 5.14), que era distinta dos seus próprios pensamentos (Nm 16.28; 24.13; 1 Rs 12.33; Ne 6.8). Os falsos profetas eram acusados justamente de proferirem as suas próprias palavras e não as de Deus (Jr 14.14; 23.16; 29.9; Ez 13.2,3,6).
 
3) Quando os profetas se dirigiam ao povo, diziam: “Assim diz o Senhor...”, “Ouvi a Palavra do Senhor...”. “Veio a Palavra do Senhor” (Cf. Ez 31.1; Os 1.1; Jl 1.1; Am 1.3; 2.1; Ob 1.1; Mq 1.1; Jr 27.1; 30.1,4, etc.); isto indicava a certeza que tinham de que Deus lhes dera a mensagem e os enviara (Cf. Jr 20.7-9; Ez 3.4ss, 17,22; 37.1; Am 3.8; Jn 1.2).
 
4) um fato importante a favor da sinceridade dos profetas de Deus, é que nem sempre eles entendiam a mensagem transmitida (Cf. Dn 12.8,9; Zc 1.9; 4.4; 1 Pe 1.10,11).
 
B. Os apóstolos
 
Os escritores do Novo Testamento reconheciam ser o Antigo Testamento a Palavra de Deus (Hb 1.1; 3.7), sendo a “Escritura” um registro fiel da história e da vontade de Deus (Rm 4.3; 9.17; Gl 3.8; 4.30).
 
Os Apóstolos falavam com a convicção de que estavam pregando e ensinado a Palavra inspirada de Deus, dirigidos pelo Espírito Santo (Vd. 1 Co 2.4-13; 7.10; 14.37; 2 Co 13.2,3; Gl 1.6-9; Cl 4.16; 1 Ts 2.13; 2 Ts 3.14)
 
Paulo e Pedro colocavam os Escritos do Novo testamento no mesmo nível do Antigo Testamento (Cf. 1 Tm 5.18 compara com Dt 25.4; Lc 10.7; 2 Pe 3.16).
 
Paulo reconheceu os apóstolos e os profetas, no mesmo nível, como os fundamentos da Igreja, edificados sobre Jesus Cristo, a pedra angular (Ef 2.20)
 
C. Jesus Cristo
 
Jesus apela para o Antigo Testamento, considerando-o como a expressão fiel do Conselho de Deus, sendo a verdade final e decisória. Deus é o autor das Escrituras (Mt 4.4,7, 10; 11.10; 15.4; 19.4; 21.16,42; 22.29; Mt 105-9; 12.24; Lc 19.46; 24.25-27; 44-47; Jo 10.34).
 
D. Afirmações diretas das Escrituras
 
O Novo Testamento declara enfaticamente que toda a Escritura, como Palavra de Deus, é inspirada, inerrante e infalível (Vd. Mt 5.18; Lc 16.17, 29, 31; Jo 10.35; At 1.16; 4.24-26; 28.25; Rm 15.4; 2 Tm 3.16; Hb 1.1,2; 3.7-11; 10.15-17; 2 Pe 1.20).
 
A Bíblia fornece argumentos racionais que demonstram a sua inspiração e inerrância, todavia, os homens só poderão ter esta convicção mediante o testemunho interno do Espírito Santo (Sal 119.118).² Os discípulos de Cristo, só entenderam as Escrituras, quando o próprio Jesus lhes abriu o entendimento (Lc 24.45). A Escritura autentica-se a si mesma e nós a recebemos pelo Espírito.³
 
A Igreja sustenta a total rendição às reivindicações proféticas, apostólicas e do próprio Cristo. Diante de um testemunho tão evidente, como poderia eu descartá-lo e seguir as opiniões fantasiosas de homens? O cristão sincero deve aprender, pelo Espírito de Deus, a subordinar a sua inteligência à sabedoria de Deus revelada nas Escrituras e a guardar no coração a Palavra de Deus (Sl 119.11)
 
3. A Suficiência das Escrituras e a Evangelização
 
No ato evangelizador da Igreja, ela prega a palavra de Deus conforme a ordem divina expressa nas Escrituras; fala da salvação eterna oferecida por Cristo, conforme as Escrituras proclama as perfeições de Deus, conforme as Escrituras... Ora, se a Igreja não tem certeza da fidedignidade do que ensina, como então, poderá testemunhar de forma honesta?
 
Uma Igreja que não aceite a inspiração e a inerrância bíblica, não poderá ser uma igreja missionária. Como poderemos pregar a palavra se não estivermos confiantes do sentido exato do que está sendo dito? Como evangelizar se nós mesmos não temos certeza, se o que falamos procede da Palavra de Deus ou, está embasado numa falácia? Paulo dá testemunho de que a Escritura é fiel; por isso, ele a ensinava com autoridade (1 Tm 1.15; 4.9 compare com 2 Tm 4.6-8).
 
Satanás objetando esmorecer o ímpeto evangelístico da Igreja, tem usado deste artifício: minar a doutrina da inspiração e inerrância das Escrituras, a fim de que a Igreja perca a compreensão de sua própria natureza e, assim, substitua a pregação evangélica por discursos éticos, políticos e propaganda pessoal. Aliás, A Escritura sempre foi um dos alvos  prediletos de Satanás (Vd. Gn 3.1-5; Mt 4.3,6,8,9; 2 Co 4.3,4). Entretanto, a Igreja é chamada a proclamar com firmeza o Evangelho, conforme registrado na Bíblia e preservado pelo Espírito através dos séculos (2 Tm 4.2).
 
A Igreja prega o Evangelho, consciente de que ele é o poder de Deus para salvação do pecador (Rm 1.16); por isso, recusar o Evangelho significa rejeitar o próprio Deus que nos fala (1 Ts 4.8). Calvino, comentado Romanos 1.16, diz que aqueles que “se retraem de ouvir a Palavra proclamada estão premeditadamente rejeitando o poder de Deus e repelindo de si a mão divina que pode libertá-los.” [4] A Igreja proclama a Palavra, não as suas opiniões a respeito da Palavra, consciente que Deus age através das Escrituras, produzindo frutos de vida eterna (Rm 10.8-17; 1 Co 1.21; 1 Co 15.11; Cl 1.3-6; 1 Ts 2.13,14). A Igreja por si só não produz vida, todavia ela recebeu a vida em Cristo (Jo 10.10), através da sua Palavra vivificadora; deste modo, ela ensina a Palavra, para que pelo Espírito de Cristo, que atua mediante as Escrituras, os homens creiam e recebam vida abundante e eterna.
 
Conclusão
 
Nós somos herdeiros dos princípios bíblicos da Reforma; para nós, como para os Reformadores, a Palavra de Deus é a fonte autoritativa de Deus para o nosso pensar, crer sentir e agir: A Palavra de Deus é-nos suficiente.
 
Quando Satanás tentou a Jesus durante os seus 40 dias de jejum e oração no deserto, dizendo: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transforme em pães” (Mt 4.3),  Jesus Cristo, recorrendo ao Livro de Deuteronômio, capítulo 8, verso 3, respondeu: “ Não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que procede de Deus” (Mt 4.4). Notemos que esta afirmação torna-se ainda mais dramática se consideramos o fato de que Jesus estava à beira da inanição, sendo induzido a pensar que caso não comesse imediatamente poderia morrer.
 
Nestas palavras, não temos um contraste entre o espiritual e o físico, antes; há uma demonstração categórica, feita por Cristo, de que devemos ter me mente que a nossa sustentação, em todos os sentidos, provém de Deus: Somos sustentados pela Palavra de Deus. O mesmo Espírito que nos regenerou através da Palavra (Tg 1.18; 1Pe 1.23), age mediante esta mesma Palavra, para que vivamos, de fato, como novas criaturas que somos. A Bíblia é o instrumento eficaz do Espírito, porque ela foi inspirada pelo Espírito Santo (2Pe 1.21).
 
Jesus orou ao Pai para que ele nos santificasse na Verdade, que é a sua Palavra. Meus irmãos, se quisermos crescer espiritualmente temos de recorrer à Palavra vivificada de Cristo; somente ela pode nos tornar sábios para a Salvação mediante a fé depositada unicamente em Jesus Cristo (2 Tm 3.15). Com este propósito ela foi-nos concedida (Rm 15.4).
 
Você aceita a autoridade das Escrituras? Quando sua opinião sobre determinado tema é uma e a posição da Bíblia é outra, com qual você fica?
 
Nota:  
¹B.B.WARFIELD, The Inspiration of the Bíble: In: The Works of Benjamin B. WarfieldGrande Rapids, Michigan, Baker Book House, 1981, Vol. I, p. 79.
² Vd. J. Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo, Paracletos, 199 (Rm 8.16), p. 279.
³ Vd. J. Calvino, As Institutas São Paulo, Casa Presbiteriana, 1985, I;7.4-5 e I.8.13
[4] J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 1.16), p. 58.
 
Autor: Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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