domingo, 14 de julho de 2013

9.6 A igreja e Israel

Entre os protestantes evangélicos há diferentes perspectivas sobre a questão do relacionamento entre Israel e a igreja. Uma perspectiva é a dispensacionalista. De acordo com ela, Deus tem dois planos distintos para dois grupos diferentes de pessoas que redimiu. Por um lado, os propósitos e as promessas para Israel são bênçãos terrenas, e serão cumpridas nesta terra em algum tempo no futuro. Por outro lado, os propósitos e as promessas para a igreja são bênçãos celestiais, e essas promessas serão cumpridas no céu. Essa distinção entre os dois grupos diferentes que Deus salva será vista especialmente no milênio, pois naquele tempo Israel reinará sobre a terra como o povo de Deus e desfrutará o cumprimento das promessas do **AT, mas a igreja a essa altura já terá sido levada para o céu no tempo do retorno secreto de Cristo para os santos (“o arrebatamento”). Nessa perspectiva, a igreja não começou antes do Pentecoste (At 2), e não seria correto pensar nos crentes do AT junto com os crentes do *NT constituindo uma igreja.
Diversos líderes entre os dispensacionalistas mais recentes têm modificado muitos desses pontos, referindo-se à sua estrutura teológica como “dispensacionalismo progressivo”. Eles não vêem a igreja como um parêntese no plano de Deus, mas como o primeiro passo em direção ao estabelecimento do Reino de Deus. Há assim um propósito único para Israel e a igreja — o estabelecimento do Reino de Deus — de que ambos, Israel e a igreja, compartilham. Além disso, o dispensacionalismo progressivo não veria distinção alguma entre Israel e a igreja no futuro estado eterno, pois todos serão parte do mesmo povo.
Contudo, há ainda uma diferença entre os dispensacionalistas progressivos e o restante dos evangélicos sobre um ponto: eles diriam que as profecias do AT concernentes a Israel ainda serão cumpridas no milênio pelo povo étnico judeu que crerá em Cristo e que viverá na terra de Israel como “nação-modelo” para a qual todas as nações olhariam e com a qual todas aprenderiam. Portanto, eles não diriam que a igreja é o “novo Israel” ou que todas as profecias do AT a respeito de Israel serão cumpridas na igreja, pois essas profecias ainda serão cumpridas no Israel étnico.
A posição assumida neste livro difere muito das posições dispensacionalistas tradicionais. Contudo, deve ser dito aqui que as questões a respeito do modo exato em que as profecias bíblicas a respeito do futuro serão cumpridas são por natureza difíceis de decidir com segurança, e é sábio ter algumas hesitações em nossas conclusões sobre o assunto. Com isso em mente, pode ser dito o que se segue.
Tanto teólogos protestantes como católicos que estão fora do círculo dispensacionalista têm dito que a igreja inclui tanto crentes do AT como do NT em uma igreja ou um corpo de Cristo. Devemos observar primeiro os muitos versículos do NT que entendem que a igreja seja o “novo Israel” ou o novo “povo de Deus”. O fato de que “Cristo amou a igreja e entregou-se por ela” (Ef 5.25) sugere isso. Ademais, esta era atual da igreja, que tem trazido a salvação a muitos milhões de cristãos, não é uma interrupção ou um parêntese nos planos de Deus, mas a continuação do seu plano expresso por todo o AT chamando pessoas para si. Paulo diz: “Não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é meramente exterior e física. Não! Judeu é quem o é interiormente, e circuncisão é a operada no coração, pelo Espírito, e não pela Lei escrita” (Rm 2.28,29). Paulo reconhece que, embora haja um sentido natural ou literal no qual os que
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descenderam fisicamente de Abraão são chamados judeus, há também um sentido mais profundo ou espiritual no qual o “judeu verdadeiro” é aquele que é interiormente um crente e cujo coração foi purificado por Deus.
Paulo diz que Abraão não deve somente ser considerado o pai do povo judeu em sentido físico. Ele é também no sentido mais profundo e mais verdadeiro “o pai de todos os que crêem, sem terem sido circuncidados [...] e é igualmente o pai dos circuncisos que não somente são circuncisos, mas também andam nos passos da fé que teve nosso pai Abraão antes de passar pela circuncisão” (Rm 4.11,12; cf. v. 16,18). Portanto, Paulo pode dizer: “Não pensemos que a palavra de Deus falhou. Pois nem todos os descendentes de Israel são Israel. Nem por serem descendentes de Abraão passaram todos a ser filhos de Abraão. Ao contrário: ‘Por meio de Isaque a sua descendência será considerada’. Isto é, não são os filhos naturais que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que são considerados descendência de Abraão” (Rm 9.6-8). Paulo aqui sugere que os verdadeiros filhos de Abraão — “Israel” no sentido mais verdadeiro não é a nação de Israel por ascendência física de Abraão, mas os que creram em Cristo.
Longe de pensar na igreja como grupo separado do povo judeu, Paulo escreve aos crentes gentios de Éfeso dizendo-lhes que anteriormente eles estavam “sem Cristo, separados da comunidade de Israel, sendo estrangeiros quanto às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo” (Ef2.12),mas que agora eles “foram aproximados mediante o sangue de Cristo” (Ef 2.13).E quando os gentios foram trazidos à igreja, judeus e gentios foram unidos em um só corpo. Paulo diz que Deus “destruiu a barreira, o muro de inimizade, anulando em seu corpo a Lei dos mandamentos expressa em ordenanças. O objetivo dele era criar em si mesmo, dos dois, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliar com Deus os dois em um corpo, por meio da cruz, pela qual ele destruiu a inimizade” (Ef 2.14-16). Portanto, Paulo pode dizer que os gentios são “concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular”(Ef 2.19,20). Com essa consciência ampla do pano de fundo do AT para a igreja do NT, Paulo pode ainda dizer que “os gentios são co-herdeiros com Israel, membros do mesmo corpo, e co-participantes da promessa em Cristo Jesus” (Ef 3.6). A passagem toda fala fortemente da unidade de crentes judeus e gentios no corpo em Cristo e não dá indicação alguma de qualquer plano distintivo para a salvação do povo judeu independentemente do corpo de Cristo, a igreja. A igreja incorpora em si mesma todo o verdadeiro povo de Deus, e quase todos os títulos usados para o povo de Deus no AT são em um lugar ou outro aplicados à igreja do NT. Esses textos, juntamente com muitos outros, nos dão a segurança de que a igreja se tornou agora o verdadeiro Israel de Deus e vai receber todas as bênçãos prometidas a Israel no AT.

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